quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Livro Henrique do Valle

Estou muito emocionada em ver a obra do meu cunhado Henrique do valle publicada. Suas poesias estavam guardadas há mais de 30 anos.

Nos anos 70 o Henrique era muito conhecido pelos poetas, nas universidades, "nas esquinas malditas". 

Henrique foi muito prejudicado emocionalmente pelo golpe militar e pela diadura, pelo fato de ser filho da irmã de Jango, Tarsila Goulart do Valle e do jornalista e redator político de Jango, João Luis Moura Valle. 

O professor Paulo Seben, autor do estudo, falou durane a apresentação do livro, no lançamento, que nunca imaginou que fosse encontrar essa preciosidade da literaura brasileira ainda guardada.

Agradeço muito a Secretaria de Cultura que possibilitou a publicação desta obra! 

Aos interessados pelo livro, vocês podem adquirí-lo no blog do IEL: http://livrariadoiel.blogspot.com.br/


 

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Lançamento do Livro de Henrique do Valle

Convido todos os amigos para o Lançamento do Livro com as poesias do meu cunhado Henrique do Valle, no dia 21 de agosto, às 19h, no Instituto Estadual do Livro.



quarta-feira, 9 de julho de 2014





OSWALDO ARANHA - O VOTO E A REVOLUÇÃO
Documentário de longa metragem (em fase de finalização).
Projeto semifinalista do Prêmio Odebrecht de Pesquisa Histórica

JOÃO GOULART, AUMENTO DO SALÁRIO MÍNIMO, ÁLVARO ALBERTO, ENERGIA ATÔMICA E CAFÉ - FAZ 60 ANOS
O ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, manifestara a sua total contrariedade ao aumento de 100% para o salário mínimo, proposto pelo ministro do Trabalho, João Goulart. Considerava a "anarquia do Tesouro a pior das greves", chamando atenção para a necessidade de "os funcionários e operários das autarquias e outras entidades, compreender que esses favores políticos dependem da produção e da produtividade deles em suas organizações" (carta de Aranha para Getúlio Vargas, em 23/01/54). Ato contínuo, toda a elite brasileira congregou suas forças contra o governo, atraindo para o seu lado considerável parcelas das classes médias, sensibilizadas pela campanha de escândalos que envolviam o governo de Getúlio Vargas, que é lembrado, com frequência, pela racionalidade na decisão do suicídio. Acuado por inimigos poderosos, ele teria desferido um golpe genial que, contra todas as expectativas, lhe concedeu uma derradeira vitória política. Mas se Getúlio ainda detinha tanto apoio popular, conforme ficou demonstrado nas manifestações posteriores, por que não foi capaz de mobilizá-lo enquanto vivo? Por outro lado, como foi possível que seus radicais adversários lograssem conquistar a opinião pública para a sua causa? Terá Oswaldo Aranha feito uma melhor leitura da situação? Percebera o equívoco político de Vargas? A decisão de Getúlio de enfrentar seus adversários apoiado apenas no povo ("eu voltarei como um líder de massas e não como um líder político" - avisara ele antes de sua volta ao poder em janeiro de 1951) foi, afinal de contas, uma resolução errada? Getúlio superestimou a força política das organizações populares e subestimou o "estrago" que pequenos grupos bem organizados poderiam fazer em sua base de poder? As recomendações de Aranha, normalmente entendidas como de cunho técnico-financeiro, não teriam sido, primeiramente, políticas?
Em fevereiro de 1954, João Goulart deixou o Ministério do Trabalho. Naquele momento, era ele o alvo principal de intensa campanha conspiratória contra o Governo de Getúlio Vargas (o segundo, de 31 de janeiro de 1951 a 24 de agosto de1954). "Não me deixei intimidar com o descontentamento que minha conduta provocou naqueles que vivem acumulando lucros à custa do suor alheio. Abri as portas do Ministério aos oprimidos" - Jango escreveu a Getúlio, em 22 de fevereiro, desistindo do cargo que até então ocupara. Havia, para ele, "um capitalismo honesto, amigo do progresso, sadiamente nacionalista, que sempre merecera o seu apoio e o seu aplauso". Havia outro, entretanto, que ele repudiava, "o capitalismo desumano, absorvente de forma e essência, caracteristicamente antibrasileiro, que gera trustes e cria privilégios, e que, não tendo pátria, não hesita em explorar e tripudiar sobre a miséria do povo".
Era grande o descontentamento entre os trabalhadores urbanos organizados em sindicatos. Desde a eleição de Vargas (em 3 de outubro de 1950), haviam aumentado as expectativas e a mobilização desse pessoal. Afinal, tratava-se de um governo que lhes acenara com promessas de melhorias e que abrira possibilidades para a expansão do movimento sindical, muito reprimido durante a presidência de Eurico Gaspar Dutra (31/01/1946 - 31/01/1951). Contudo, nos anos de 1951 e 1952, ainda em consequência dos desequilíbrios econômicos surgidos durante a Segunda Guerra Mundial, a inflação e o custo de vida subiram bem mais do que o salário mínimo, que, desde 1943, quando fora criado, em plena ditadura do Estado Novo, recebera um único e insuficiente aumento. Juntando-se todos os problemas - aumento do custo de vida, difíceis condições salariais, inflação e maior liberdade para a mobilização sindical, o resultado foi um grande número de greves.
O ápice desse tenso processo político pode ser a localizada no início de 1954, quando Jango propôs um aumento de 100% para o salário mínimo. Segundo ele, devido à elevação do custo de vida (e a inexistência de diálogo com os trabalhadores durante o Governo Dutra), a questão salarial continuava explosiva e, para enfrentá-la, era necessário elevar o salário mínimo de 1.200 para 2.400 cruzeiros. Assim, o ministro do Trabalho ganhou a oposição não apenas da UDN e dos grupos reacionários pessedistas, mas também da oficialidade militar ligada à Cruzada Democrática (tendência do Clube Militar associada à UDN e aos interesses do governo dos EU). Não é difícil imaginar a reação provocada por essa proposta. Para a oposição, Jango era um "manipulador da classe operária", um "estimulador de greves, um "amigo dos comunistas". Para os udenistas, Jango não se constituía como ministro do Trabalho e sim, como “ministro dos trabalhadores”, no sentido pejorativo da expressão. Ao que tudo indica, João Goulart encaminhou a proposta de aumento do salário mínimo sabendo que isso poderia lhe custar o cargo ministerial. Vargas, pressionado, o demitiu, mas ao colocar o 'fiel escudeiro" Hugo de Faria em seu lugar como ministro interino, Jango passou a ser a “eminência parda” do governo, reassumindo sua cadeira na Câmara dos Deputados. Segundo as próprias palavras de Hugo de Faria, "nunca o dr. João Goulart foi tão ministro do Trabalho como quando eu era ministro interino e ele, oficialmente, não ocupava mais cargo nenhum".
O afastamento de Jango não amainou a oposição que manteve o Governo sob fogo cerrado. Em março, Carlos Lacerda revelou, pelo jornal "Tribuna da Imprensa", uma conferência, pronunciada, reservadamente, pelo General Juan Domingo Perón, na Escola Superior de Guerra da Argentina, sobre as negociações que mantivera com Vargas, para o estabelecimento de uma aliança entre as três principais nações Sul Americanas (Argentina, Brasil e Chile), com o objetivo de resistir à hegemonia dos Estados Unidos. Na conferência, Perón falava da promessa de Vargas, feita antes de assumir a Presidência do Brasil, e das dificuldades que ele, posteriormente, evocara para não cumpri-la. Perón acusava o Itamaraty de insistir na política imperial de zonas de influência, de atuar como instituição super governamental e impedir a verdadeira união entre o Brasil e a Argentina. O Presidente Argentino desejava a unidade, a integração econômica da América do Sul, para enfrentar os Estados Unidos. Segundo boatos, que circulavam, ele pretendia instaurar, em seu país, um regime "não alinhado" semelhante ao de Tito, na Iugoslávia.
Nenhum dos dois Governos, o do Brasil e o da Argentina, reconheceram os entendimentos, de público, sobretudo quando a oposição os apresentava como escândalo. Os desmentidos oficiais estavam na lógica natural dos acontecimentos e a controvérsia, alimentada pelas paixões, incrementou a dúvida. Mas as negociações existiram, antes e depois das eleições de 1950, com acertos políticos e ajuda material. Uma carta de Perón a Vargas (de 06 de março de 1953), confirma a realização dos entendimentos. Porém, a revelação da "Tribuna da Imprensa" encontrou o apoio do ex-Chanceler João Neves da Fontoura, que saíra do Governo de junho de 1953. Numa entrevista ao jornal "O Globo", João Neves confirmou as negociações entre Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón, á revelia do Itamaraty, para unir os três países em resistência aos Estados Unidos (o Pacto ABC). Informou ainda, que João Goulart participara das articulações e que frequentava, assiduamente, o gabinete do Presidente da Argentina. Seu objetivo, segundo a oposição, seria o de implantar, no Brasil, uma "República Sindicalista". O tom, que assumia a campanha oposicionista, afinava com a orquestração de John Foster Dulles para o Continente Sul Americano (Foster Dulles era o Secretário de Estado do novo Governo dos EUA, do republicano Eisenhower). A questão da Guatemala, que desapropriara algumas terras da United Fruit, entrara na ordem do dia do Departamento de Estado (chefiado por Foster Dulles). A 10º Conferência Interamericana, que se realizara em Caracas, fazia pouco tempo, aprovara resoluções anticomunistas, justificando a intervenção que o Governo dos EUA preparava para derrubar o Governo de Jacobo Arbenz. O novo Chanceler brasileiro, Vicente Rao, apresentara a tese de que o combate ao comunismo, para ser eficaz, devia começar pelas causas econômicas e sociais que permitiam a sua infiltração. Mas, na votação, fez coro com os Estados Unidos. E a Guatemala ficou só.
No final de março de 1954, o ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, defensor de uma política de contenção de gastos, foi instruído por Getúlio para preparar uma nova taxa de aumento salarial. Aranha recomendou, então, um aumento de 50% sendo criticado publicamente por João Goulart que, através de um artigo no "Correio da Manhã", reiterou a necessidade do aumento de 100%. Em consequência, foi mais uma vez acusado de incitar os operários contra o plano governamental, contra os interesses da nação. Porém, Jango continuava próximo ao governo, atendendo a grande quantidade de pedidos e chamados do palácio do Catete e indo com Vargas, todas as quartas-feiras, visitar o ministro do Trabalho Hugo de Faria. No dia 1º. de maio de 1954, em seu discurso aos trabalhadores, o Presidente da República anunciou a concessão do aumento de 100% do salário mínimo, aceitando a recomendação de João Goulart e apontando-o como "um infatigável amigo e defensor dos trabalhadores brasileiros". Cento e quinze dias antes de se suicidar, isolado pelas elites, Getúlio apelou para os trabalhadores. "Hoje, vocês estão com o Governo. Amanhã, vocês serão o Governo" - disse ele, num pronunciamento dos mais agressivos e que ficaria na história.
O aumento de 100% no salário mínimo rendeu a Vargas alguns frutos e inúmeros problemas. Embora reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a legalidade do decreto, muitos empregadores alegaram não poder arcar com os custos, ocasionando mais greves e um importante estreitamente nas bases de apoio do governo. Enquanto os setores que se entendiam prejudicados pelo aumento (empresários, setores médios, militares) engajavam-se definitivamente na oposição, os trabalhadores, beneficiados pela medida, não estavam suficientemente organizados para servir de suporte à manutenção de Vargas, uma vez que seus métodos de controle do operariado utilizados até então, haviam deixado as organizações sindicais frágeis e incapacitadas de fornecerem um apoio efetivo. O descompasso entre uma política nacional voltada para os trabalhadores e o conservadorismo atrelado ao capitalismo norte-americano acirrou a polarização entre as correntes getulistas e antigetulistas. A decretação do monopólio estatal do petróleo, em outubro de 1953, também contribuiu para engrossar a oposição a Vargas em setores importantes da sociedade nacional.
A crise brasileira acompanhava a cadência da situação mundial de Guerra Fria. Foster Dulles defendia a retaliação maciça contra a União Soviética, exigindo que os comunistas renunciassem à Europa Oriental. As forças da OTAN, em outubro de 1953, receberam as primeiras armas táticas. A União Soviética também se preparava para o Confronto. O poder nuclear não mais constituía privilégio e monopólio do Governo de Washington, que tentava impor a paz pela força. A Europa, dividida, viveu o pavor de uma nova guerra. Os Estados Unidos identificavam a contestação nacionalista dos países atrasados, coloniais ou semicoloniais, com o comunismo. O Governo Eisenhower intensificou a guerra subversiva contra os Governos que lhe resistiam ao predomínio. A CIA tornou-se eficiente empresário de golpes e sublevações. Conforme a previsão de Oswaldo Aranha, os Estados Unidos entraram em guerra com quase todos os povos, num esforço para fazer retornar a ordem mundial do passado. "Este será um Governo republicano e militar; "entre les deux mon coeur balance" sem saber qual o pior; a Wall Street será o Estado-Maior; a reação virá para o mundo destas duas forças conjugadas no maior poderio já alcançado por um povo e na hora mais incerta e insegura para a vida de todos os povos; o capitalismo no poder não conhece limitações, sobremodo as de ordem internacional; o esforço para voltar à ordem mundial é o espetáculo que iremos assistir; a nova ordem, que se iniciava pela libertação dos povos de regime colonial, vai sofrer novos embates, mas acabará por vencer, mesmo porque este povo, ao que me parece, não está unido no sentido de apoiar esta volta violenta a um passado internacional, que levará inevitavelmente o país à guerra com quase todos os demais povos" (carta de Aranha para Getúlio Vargas, em 02/12/1952). As lutas de libertação sofreram reveses. No Irã, Mossadeg caiu em 1953, assumindo em seu lugar o Xá Reza Palevi, apoiado pela CIA. Alguns meses depois, no dia 10 de junho de 1954, Foster Dulles exortou a Organização dos estados Americanos a "ajudar o povo da Guatemala a livrar-se da maligna força do comunismo", falando à Convenção Internacional do Rotary Club. Não escondeu o "compreensível interesse" dos Estados Unidos pelas atividades dos adversários de Arbenz. Na semana seguinte, mercenários aliciados pela CIA, invadiram a Guatemala. O Embaixador dos EUA, John E. Peufifoy, participou, diretamente, da operação. Arbenz abandonou o poder no dia 28 de junho. E Foster Dulles anunciou que "agora o futuro da Guatemala estava nas mãos do próprio povo".
Em julho de 1954, o Almirante Álvaro Alberto, Presidente do Conselho Nacional de Pesquisa, liderando o projeto brasileiro de energia atômica, enviou três químicos para a Alemanha a fim de que treinassem no manuseio de gases pesados, especialmente hexafluoretos, e o Governo do Estado do Rio de Janeiro ofereceu-lhe o local (Petrópolis) para a instalação de um laboratório de produção de urânio enriquecido (isto é, com proporção maior do isótopo 235 do que ocorre no urânio natural) a partir de "ultracentrífugas" construídas na Alemanha (isto é, pela ultracentrifugação do fluoreto de urânio). O Banco do Brasil, por ordem de 21 de janeiro de 1954, depositou no Banco Alemão para a América do Sul a importância de US$80.000.00 (oitenta mil dólares) destinada ao pagamento do material. Os professores Wilhelm Groth, Konrad Bayerle e Otto Hanh, que trabalhavam num projeto de fissão nuclear, encarregaram então 14 fábricas diferentes de confeccionar, secretamente, as peças do equipamento ("se descobrissem que os alemães estavam cogitando de produzir urânio enriquecido" - declarou posteriormente Álvaro Alberto - "isso acarretaria uma crise internacional). Entretanto, as ultracentrífugas não foram embarcadas para o Brasil. O Brigadeiro inglês Harvey Smith, do Military Security, descobriu (nunca se soube como vazou a informação) e apreendeu todo o material, por ordem expressa do Alto Comissário Americano, o professor James Conant. Do Brasil, Álvaro Alberto, partiu imediatamente para a Alemanha, onde foi seguido, o tempo todo, por agentes secretos (na época, Álvaro Alberto também mantinha contatos e negociações com cientistas da França e da Itália, julgando que o Brasil não devia ficar dependente de uma só nação, por mais amiga que fosse, tendo em vista o exclusivismo das relações que até então o país mantinha com os Estados Unidos, com quem firmara um acordo, em fevereiro de 1952, sobre produção de energia nuclear - envolvendo "compensações específicas", ou seja, acesso as altas tecnologias - mas que, na prática, vinha se resumindo ao fornecimento de monazita in natura aos americanos).
Desde 1945 o Brasil exportava monazita (um fosfato castanho avermelhado, que contém metais, terras raras e uma fonte importante de tório, lantânio e cério - ocorre geralmente na forma de pequenos cristais). Até 1951, numa média anual de um pouco mais de 1.400 toneladas. A partir do final do ano de 1952, os Estados Unidos começaram a pressionar para trocar a monazita brasileira por seus excedentes de trigo (que o nosso país não possuía em quantidade suficiente). O Brasil, ao contrário, desejava vender a monazita manufaturada (beneficiada/refinada como óxido de tório, sais de césio e terras raras), obter divisas e acesso a tecnologia nuclear. Paralelo ao plano de produzir urânio enriquecido (em parceria com a Alemanha), juntou-se o projeto de construção de uma usina de tratamento químico dos minerais atômicos e produção de urânio Metálico, nuclearmente puro, em colaboração com cientistas franceses, na cidade de Poços de Caldas (o projeto chegou a ser aprovado pelo Comissariado de Energia Atômica da França e pela "Societé de Produits Chimiques das Terres Rares" em abril de 1953). Álvaro Alberto considerava essa tarefa fundamental para a etapa subsequente, ou seja, a construção dos primeiros reatores nucleares, que, segundo ele, proporcionariam ao Brasil uma "nova era de engrandecimento e prestígio" (ofício secreto a Vicente Rao nº 1942, de 17/09/1953, MRE, Gaveta 8, Pasta Produtos Minerais, Arquivo Oswaldo Aranha).
Estranhamente, enquanto o Governo dos Estados Unidos embargava a construção das três ultracentrífugas, Getúlio Vargas e Oswaldo Aranha, no dia 7 de julho de 1954, aceitavam uma proposta (bem objetiva) de trocar 5.000 toneladas de monazita e 5.000 toneladas de sais de cério e terras raras por 100.000 toneladas de trigo tipo "Hard Winter nº 2", sem exigir qualquer tipo de compensação específica (ou seja, sem ter acesso a tecnologia nuclear). As razões dessa decisão nunca foram esclarecidas. Provavelmente, o que eles tentaram foi aliviar as tensões e hostilidades com os norte-americanos. Dizia-se que o Governo brasileiro cairia se continuasse inflexível. o Governo Eisenhower partira para a agressão direta, atacando o ponto mais sensível da economia brasileira: o café (na época, ainda a mais importante exportação brasileira). Exigira a sua desvalorização. Uma comissão parlamentar, encabeçada pelo Senador Gillette, começara a investigar a recente alta dos preços (nos últimos meses, o preço do café brasileiro aumentara vertiginosamente; em abril atingira os relevantes "95 cents" a libra-peso, motivado pelas fortes geadas que se abateram sobre a safra de 1953, que fizeram com que os importadores norte-americanos, precavendo-se, acumulassem estoques, fazendo o preço disparar). Como o Governo brasileiro resistisse a pressão para baixar o preço do café, as vendas do produto aos EUA baixaram, nos primeiros meses de 1954, para 2.900.000 sacas, contra 4.100.000, no mesmo período do ano anterior. A situação em agosto piorou. O Brasil exportou para os EUA somente 145 mil sacas, contra 860 mil no mesmo mês de 1953. As cotações do café desceram com a mesma rapidez com que subiram. "Em relação ao mês de agosto" - informa Nelson Werneck Sodré - "o declínio é expresso na diferença entre os 66 milhões de dólares pagos em 1953 e os apenas 14 milhões pagos em 1954". A balança comercial do Brasil, no fim do ano, acusaria um "deficit" de 30 milhões d e dólares, que provocou, juntamente com o liquidação dos demais compromissos externos, serviço da dívida e remessa de lucros, a depreciação cambial da moeda nacional (cruzeiro) em cerca de 60%. O Brasil dependia do café. E o café, dos Estados Unidos.

Na foto: Oswaldo Aranha, João Goulart e Tancredo Neves no sepultamento de Getúlio Vargas, em São Borja, em 26 de agosto de 1954.

Gosto

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A TRAGÉDIA ANUNCIADA E O "CONDOMÍNIO"

E assim somem os beijaflores... no Estado capixaba

A TRAGÉDIA ANUNCIADA E O "CONDOMÍNIO"Maciel de Aguiar

A vinda da presidente Dilma Rousseff ao Estado do Espírito Santo, do ponto de vista humanitário, pode ser considerada um fato histórico: nenhum presidente da República visitou as terras capixabas na véspera de Natal, sobretudo em decorrência das circunstâncias climáticas e diante de um "cenário devastador".

No entanto, o que foi visto do alto pela presidente é a confirmação de uma tragédia anunciada. O naturalista Augusto Ruschi (1915-1986), há meio século, previu essas calamidades em função do desmoronamento de barreiras provocado pelas chuvas, o desmatamento das encostas e, sobretudo, as inundações das cidades em virtude do assoreamento dos rios e córregos, além do desordenamento da ocupação do solo urbano.

Da década de 1950 aos anos de 1980, Ruschi se rebelou contra o establishment diante da devastação da Mata Atlântica para a implantação de grandes projetos capitaneados pelas transnacionais poluidoras. E até ameaçou invadir o Palácio Anchieta. Ele alertava para o perigo das chuvas, dos desmoronamentos e das enchentes, mas não foi ouvido. Ao contrário, foi combatido pelo Governo do Estado.   
 Nesse período, muitos capixabas instalaram centenas de serrarias de Linhares a Pedro Canário e tomaram de assalto o Sul da Bahia, derrubando toda a exuberante Mata Atlântica até Itamaraju. No rastro da devastação, surgiram fazendas de gado e de café, além de vilas e cidades. Mas o cenário era de terra arrasada.

Com o ímpeto indomável da destruição, os capixabas levaram as primeiras motosserras para o Amazonas e criaram a cidade de Paragominas, no Sul do Pará. Várias reportagens contaram o início dessa aventura, sobretudo as do jornalista Rogério Medeiros, no Jornal do Brasil. E o capixaba se especializou na destruição da natureza, dentro e fora do Estado.

Faz-se necessário lembrar que o Espírito Santo também gerou o maior defensor das matas: Augusto Ruschi. Durante anos, no programa Fantástico, da Rede Globo,  Ruschi emocionou o Brasil com sua luta em defesa dos beijaflores ameaçados de extinção. Acabou vitimado pelo veneno de um sapo e, em decorrência disso, beijou a face da eternidade. Foi sepultado no que sobrou da Mata Atlântica, em sua terra natal.  

Não obstante isso, o Estado do Espírito Santo também gerou o maior assassino da natureza: Rainor Grecco (1930-2004). Este, derrubou 60 milhões de árvores ao redor do mundo e fechou muitos cabarés em Paris para festejar suas façanhas, sempre acompanhado de belas mulheres e de autoridades de vários países. Grecco, no auge da devastação das florestas, comandou um tenebroso exército de 1000 motosserras.

Ruschi quase não saiu de Santa Teresa, onde criou o Museu Melo Leitão e construiu uma trincheira para enfrentar a sanha devastadora do Governo do Estado do Espírito Santo e diante da ameaça de destruição da Estação Ecológica de Santa Lúcia para uma empresa plantar palmito. Lá, ele recebeu apoio do País inteiro e o Palácio Anchieta desistiu da sandice. Mas, a batalha para salvar o território capixaba das tragédias climáticas estava perdida.

Nos últimos 50 anos o território capixaba presenciou a devastação de 90% de suas matas nativas, acompanhou a devastação de suas encostas, o assoreamento dos seus rios e as transnacionais poluidoras invadindo o litoral, além da monocultura do eucalipto se expandindo, o desordenamento do solo e o descompromisso com o meio ambiente. Sem falar as toneladas de pó de minério despejadas nos pulmões dos habitantes da Grande Vitória. Era a confirmação da destruição da natureza onde ela foi mais exuberante.  

Ao findar o ano de 2013, na véspera do Natal, o Estado do Espírito Santo foi vitimado por sua mais recente calamidade, segundo a mídia: "provocada pelas chuvas". As notícias dos mortos e desabrigados fizeram a presidente Dilma Rousseff sair do conforto do Palácio da Alvorada e da celebração familiar para sobrevoar o local da tragédia, anunciada há meio século, e afirmou: "˗ Nunca vi uma situação tão grave". 

Alguém poderia lhe repetir as palavras do brilhante naturalista: "˗ A responsabilidade por várias mortes em decorrência das chuvas será do governo do Espírito Santo, que vai transformar o Estado em inúmeras tragédias". Mas, como o propósito era sensibilizar a presidente para a liberação de recursos financeiros, e atribuir a responsabilidade do acontecido à natureza, parece que deu tudo certo!  

Ruschi, o "profeta das matas", fez a afirmação ao Globo Repórter, em 1981. Ele ainda previu as enchentes devastando as cidades capixabas, sobretudo na Grande Vitória, além de Santa Teresa, Colatina, Baixo Guandu e outras localidades do Noroeste e Norte do Estado, justamente as que Dilma Rousseff sobrevoou na véspera do fatídico Natal e se disse "estarrecida". E não era para menos!

Mas a tragédia não deveria causar "surpresa" ao Governo Federal. O que foi visto pela presidente da República Federativa do Brasil vem sendo maturado há décadas pelo próprio Governo do Estado do Espírito Santo, e se repete nas estações de chuvas com maior ou menor intensidades. Sem falar as gestões irresponsáveis que, pasmem, ainda são "recompensadas financeiramente", em função dos decretos de "emergência" ou "calamidade".

Além disso, a maioria das cidades capixabas, sobretudo as da Grande Vitória, são administradas como se fossem de papelão. Com as chuvas além do esperado para o período, elas, literalmente, desmancham em função do desordenamento da ocupação do solo e da ausência de obras de saneamento e infraestrutura. E nem é preciso dizer dos gestores que cometem atos inconcebíveis.

Então, a presidente Dilma perdeu uma boa oportunidade para determinar ao Governo do Estado do Espírito Santo mais responsabilidade na proteção das encostas, matas, restingas e mananciais. Além disso, poderia pedir mais rigor na fiscalização da gestão das cidades. Porém, o que se viu pela mídia foi o anúncio do Governo Federal na liberação de milhões de recursos financeiros para "beneficiar o infrator".

Assim, com o "estado de emergência" decretado pelo Palácio Anchieta e a generosidade do cofre da viúva não haverá presente de Natal mais gratificante para os responsáveis pela devastação ambiental e, principalmente, para o deleite do "condomínio da política capixaba". Embora todos tivessem empenhados no "esforço" de não transformar o ato humanitário da primeira visita da presidente Dilma Rousseff ao Estado em uma, digamos, "causa partidária".

Por certo a presidente Dilma Rousseff reservará outras datas para visitar o Estado do Espírito Santo, e, provavelmente, nunca se esquecerá deste Natal de 2013, quando presenciou milhares de famílias capixabas desabrigadas pelas chuvas, vítimas de uma tragédia que, cada vez mais, poderá se repetir. Mas, lamentavelmente, ela ficou sem saber que tantas mortes e perdas poderiam ser evitadas.

Porém, nem tudo está perdido. Em ano eleitoral, o "condomínio" agradece!

Maciel de Aguiar
www.macieldeaguiar.com.br

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Biografias manchadas


COMPORTAMENTO
|  N° Edição:  2293 |  25.Out.13 - 20:50 |  Atualizado em 28.Out.13 - 19:05

Biografias manchadas

Esse movimento Procure Saber é uma palhaçada. Pessoas públicas se colocam na ribalta, no foco, na fogueira das vaidades

Por Gerald Thomas
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Esse movimento Procure Saber é uma palhaçada. Pessoas públicas se colocam na ribalta, no foco, na fogueira das vaidades. E, uma vez colocadas na fogueira das vaidades, é isso, paga-se o preço bom e o ruim, o do inferno e o do céu. Querem o quê? Somente docinhos, pãezinhos adoçados? Tem o preço do inferno também, faz parte. As pessoas querem ser retratadas como se fossem anjinhos? O que estão escondendo? Aqui nos Estados Unidos, onde eu moro, ou em qualquer parte do mundo, existem biografias não autorizadas. Esses livros podem dizer absurdos e que fique para sempre o mistério porque haverá outras biografias que dizem outras coisas. Que fique a dúvida. Isso faz parte do ser-mito. Se o retratado quiser, que escreva sua autobiografia. 

Falo com a experiência de quem teve megaproblema. O escritor Ruy Castro escreveu absurdos sobre a minha família no livro “Ela é Carioca” em 1999. Minha família é judaica, perdemos várias pessoas em campos de concentração e ele colocou que minha avó era amiga de Hitler e de Goebels. Tudo o que minha avó fez foi escapar desses carrascos. Ele podia ter checado comigo, podia ter me ligado, eu estava no Brasil ensaiando uma peça naquela época, mas não o fez. Soube recentemente que ele escreveu outros absurdos, que minha família tinha imóveis no Rio e em São Paulo, quando na verdade morávamos num apartamento de fundos, de sala e dois quartos, em Ipanema, na rua Prudente de Moraes. Ele disse que eu torrei o patrimônio todo em teatro, uma mentira. Cheguei a ser prostituto aos 15 anos, aqui em Nova York. Optei por não tomar nenhuma medida judicial, apenas publiquei um artigo em um jornal e tive uma conversa com Luis Schwartz, dono da Companhia das Letras, que me pediu desculpas. Depois também falei com o Ruy por telefone que acusou o Ziraldo, meu ex-sogro, de ter dado essas informações a ele. E ficou por isso mesmo, não processei. 

O Brasil é um país de analfabetos, pouquíssimas pessoas vão ler uma biografia. Os alfabetizados mal sabem ler jornal. Os que sabem ler estão colocando foto de pizza no Facebook e eles estão fazendo esse auê todo. Se a Paulinha Lavigne quer comparar o Brasil e os Estados Unidos, como fez na tevê, por que não aprende qual é o valor real de um país que cria todos os movimentos civis? Todo movimento de liberação, de contracultura, começou aqui. Se é para se mirar nos Estados Unidos, então voltem para os pais fundadores, tranquem-se num quarto na Pensilvânia, comecem a discutir os reais valores de uma sociedade e façam emendas à Constituição como as que existem aqui. A liberdade de expressão está garantida na primeira emenda à Constituição americana. Toda a minha questão de vida, toda a minha obra é em relação à liberdade de expressão. Se meu teatro e minha obra inteira forem reduzidos a alguma coisa é à defesa da liberdade de expressão. Esse é o valor máximo que uma sociedade deve ter. Pague-se o preço que for. Mas acho que um país que não passou por uma guerra verdadeira de independência, não viu sangue ser derramado, não sabe o valor real de lutar contra o colonizador, tem outros valores. 
Aqui nos Estados Unidos as pessoas publicam o que querem e depois os advogados vão em cima. Se quiserem, podem fazer a mesma coisa no Brasil e passar o resto da vida perdendo tempo com advogados. Eu, simplesmente, ignoraria. Não entendo por que pessoas do porte de Chico Buarque e Caetano Veloso perdem tanto tempo preservando uma imagem. Qual imagem? A obra deles não fala mais alto? O que eles têm a perder? Eles são gênios, não deviam prestar atenção no que beltrano aqui ou fulano ali falam. Não tem a menor importância se um livrinho sai. No máximo, escreve um artigo rebatendo. Ler os artigos do Caetano tem sido constrangedor, ele está se enrolando cada vez mais.

Considero tudo um absurdo. Ganhar dinheiro em cima das biografias é um absurdo. São celebridades milionárias e o Brasil é um país de miseráveis. Será que o problema deles é falta de talento? Será que eles não estão conseguindo mais compor? Será que eles gostam da ditadura porque no regime militar eles compunham bem? Eu passei seis anos na Anistia Internacional em Londres defendendo presos políticos brasileiros, exilados e desaparecidos. Comparada com a ditadura de Pinochet, no Chile, ou de Videla, na Argentina, a brasileira não era nada, embora tenha sido duríssima. E, claro, produziu uma arte brasileira em que se falou por entrelinhas, em letras de músicas como “Cálice” (Pai/afasta de mim esse cálice) e “Sabiá” (Vou voltar/sei que ainda vou voltar), em alusão ao voto. Quando acabou a ditadura, cadê aquela genialidade toda? Abriram as gavetas e não tinha nada? É incrível como se compõe bem quando existe um grande inimigo comum. A arte escondida é uma arte genial. 

É muito triste porque gosto imensamente deles, como pessoas e como artistas. Caetano Veloso é um dos maiores poetas do Brasil. Quando eu sentava com Samuel Beckett, em Paris, na década de 80, eu traduzia os poemas de Caetano para ele. Queria que ele entendesse quem era Caetano Veloso tal era o meu amor pela obra de Caetano. Dirigi show da Gal, “O Sorriso do Gato de Alice”, em 1994, no qual lidava com a obra de Caetano e de Gil o tempo todo. Degustava cada música 80 vezes por dia ensaiando a Gal e via mais brilhantismo ainda. “Nine out of ten”, “Vaca profana”, são lindíssimas. O tropicalismo é um grande movimento brasileiro, é uma das coisas mais importantes que aconteceram no País. Abasteceu o Brasil com brasileirismos maravilhosos. E agora vejo esse pessoal atrás de valores lavignianos? É nojento e triste. Essas pessoas, que eu achava que não tinham mais nada a perder, se defendem de uma forma puritana, boba, estúpida e imbecil não sei do que e mancham a própria biografia. 
Gerald Thomas é dramaturgo

domingo, 22 de setembro de 2013

História do Brasil

Entrevista João Vicente Goulart: 'É hora de ir ao Obama para saber de Jango'. (Estadão)
publicada em 07 de setembro de 2013
'É hora de ir ao Obama para saber de Jango'
João Vicente Goulart quer do Brasil um gesto de Estado para elucidar a morte do pai
07 de setembro de 2013

O Estado de S.Paulo

Foto Wilton Júnior/Estadão

É esperado para os próximos dias o anúncio da data de exumação do presidente João Goulart (1919-1976), deposto pelo golpe de 1964. No governo Dilma, fala-se em receber os restos mortais em Brasília, com honras devidas a um chefe de Estado. Trata-se de elucidar as causas de sua morte em dezembro de 1976, em uma de suas fazendas, na Argentina. Jango voltou ao País no caixão, foi recebido pelo povo de São Borja (RS), sua terra natal, sem ter passado por autópsia. Desde 1980 circulam rumores de ter sido envenenado, fato mais tarde confirmado por um ex-agente.
Nesta entrevista exclusiva, João Vicente Goulart, 56 anos, seu filho mais velho e porta-voz da família na longa busca pela verdade, relembra fatos e personagens que situam a morte de Jango no cenário de assassinatos seletivos da Operação Condor - com apoio logístico e técnico de agentes americanos. Acha que a exumação não resolve tudo e que será preciso cumprir o que já foi determinado ao Ministério Público: oitivas e desclassificação de documentos. "Hoje o Brasil deveria tomar uma posição de Estado, indo ao presidente Obama solicitar toda a documentação relativa a seu ex-presidente, confinada em arquivos americanos", diz, há exatos 52 anos da data em que seu pai assumiu, após a renúncia de Jânio.
Quando a família Goulart passa a questionar a crise cardíaca como razão da sua morte?
Notícias de um assassinato no âmbito da Operação Condor surgem a partir de 1980, no Uruguai. De gente como Enrique Foch Díaz, autor do livro El Crímen Perfecto.

Ele era amigo do Jango, não?

Vendeu terras para o pai, mas era ligado ao serviço secreto. Jango tinha poucos interlocutores com o regime, então preservava esse canal. Foch Díaz era um velho piloto da Força Aérea uruguaia, tinha contato com os militares. Já meu pai era um homem político, sabia conversar com diferentes setores e usar certos canais quando necessário. Pessoalmente, sempre desconfiei do Foch Díaz. Pouco antes de prenderem o Ruben Rivero, que era nosso piloto e viria a morrer depois, de forma bem estranha, meu pai perguntou "olha, Rivero, tu tens alguma coisa a ver com os tupamaros? Se tens, me conta porque estão me pressionando...". Daí o Foch Díaz aparece naquela situação, dizendo "deixa comigo, presidente, vou apresentá-lo em Boiso Lanza", que é um quartel da Aeronáutica. E lá pegaram o Rivero. No livro, Foch Díaz fala em envenenamento, no contexto de um complô comercial contra Jango.

E a comissão externa da Câmara, que investigou a morte de seu pai? Que peso teve nessa reviravolta dos fatos?

O artífice dela foi Brizola. Ele pediu ao Miro Teixeira (PDT-RJ) para abrir a comissão. Sua convicção vinha do fato de ter sido vítima de um envenenamento no Uruguai. Passou mal, foi bater no hospital, onde lhe fizeram a lavagem que o salvou. A comissão levantou depoimentos bem importantes, como o do Miguel Arraes e o do Neiva Moreira, que chegou a receber de um agente argelino a lista de nomes dos que cairiam na Operação Condor. Em 2004, quando o Instituto João Goulart iniciou a produção de um filme, fui atrás do jornalista uruguaio Roger Rodriguez, do La Republica, que entrevistara o ex-agente Mario Neira Barreiro, em 2002.

Barreiro revelou a ele que monitorava Jango.E por que a comissão não o ouviu?

Porque quando nós fomos atrás de Barreiro, em 2005, a comissão tinha sido encerrada. Tomamos um longo depoimento dele, eu inicialmente disfarçado de jornalista da TV Senado. Barreiro dizia que "João Vicente não está nem aí para nada, o negócio dele é criar gado no Maranhão...". Quando é informado de que sou eu quem está lá, e me reconhece, começa a falar muito, por horas. Usamos só um trecho no filme "Jango em Três Atos".

Como avalia esse personagem?

Não tenho dúvida de que nos monitorava. A batida de um carro que eu dirigia em Montevidéu, sem boletim de ocorrência, sabia em detalhes. O telefone da fazenda repetia de cor. Agora, sobre a morte de Jango, tem que investigar. Concluímos que era obrigação da família, de posse daquele testemunho, levar um pedido ao então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza: trata-se de esclarecer a morte de um presidente no exílio, derrubado por um golpe em que o Congresso decreta vaga a Presidência da República, estando o presidente ainda em território nacional.

Barreiro está preso no Rio Grande do Sul, por outros crimes. Viu-o depois daquele encontro?

Não. Ele conseguiu passar um e-mail cifrado para mim, via terceiros, dizendo que estava sob risco de morte. Liguei para o então ministro Tarso Genro, da Justiça, contei o caso e parece que lhe deram proteção. Não o vi mais. Voltando à batalha da nossa família: aquele procurador-geral mandou o caso para o MP gaúcho, onde seria arquivado. E só não foi pelo despacho da procuradora-geral dos Direitos da Pessoa Humana, dra. Gilda Carvalho. Ela não só derrubou o arquivamento, como cobrou oitivas dentro e fora do País e acesso a documentos. O Estado tem o dever de investigar até por se tratar da memória de um presidente, portanto, um patrimônio cultural e imaterial da Nação.

E a exumação?

É só um dos meios para investigar. E talvez nem leve a uma conclusão. Já foram chamados peritos argentinos, uruguaios e nós queremos a inclusão de cubanos, por serem altamente capacitados nesse tipo de análise. Laboratórios de fora também participam. Autorizamos tudo, mas cobramos as oitivas dos americanos envolvidos na operação. E a desclassificação de documentos. Assim como apareceu recentemente um documento do Kissinger, confirmando a existência de um processo de eliminação de pessoas no Cone Sul, outros surgirão. Até começo a achar que pode ter alguma coisa nessa exumação, tamanha tem sido a dificuldade de investigar.

Quando seu pai morreu você e sua irmã estavam fora do País?

Sim, em Londres, mas viemos para o enterro. Eu estava lá há mais tempo. Me casei aos 19 anos e fui para estudar agronomia. Depois o pai mandou a Denise, minha irmã, porque as coisas andavam difíceis por aqui - mataram dois amigos dele, Zelmar Michelini e o Gutiérrez Ruíz (senador e deputado uruguaios, respectivamente, exilados na Argentina), um comando entrou no escritório dele, a situação se complicava no Uruguai, na Argentina, já era dura no Brasil, o cerco fechou. Mas documentos provam que Jango queria, então, voltar ao Brasil. Ele já estava fora do País havia 12 anos, quando fora cassado por dez, no entanto (o general) Sylvio Frota dizia que se ele regressasse seria preso imediatamente.
E há relatos dizendo o contrário, que Jango não queria voltar, mas, sim, montar casa fora, provavelmente em Paris.
Ele jogava politicamente. Queria estar em Paris para se reunir com os exilados, tanto que foi ter com Arraes na Suíça. Era presidente, sonhava voltar com todos eles. Disse que retornaria ao Brasil até para ser preso e ver no que dava. Também aproveitaria a onda do Carter, que passou a pressionar ditaduras sul-americanas. Os EUA já pensavam no projeto de globalização, algo que não poderia ser feito com ditaduras, mas governos civis e democráticos, desde que sem nacionalistas no meio. Até o Ted Kennedy anunciou que viria ao encontro do pai, pousando lá na fazenda. Depois, cancelou. E Jango iria aos EUA até para provar que não devia nada a ninguém.

Havia processos contra ele no Brasil?

Sim, muitos. Ele se defendeu em todos. Ao contrário do Brizola, que deixava para lá. Num deles, que corria na cidade de Rondonópolis (MT), onde tinha fazenda de gado, ao não conseguir citá-lo pelas vias normais, o juiz o citou por edital. Jango iria aproveitar isso para entrar no Brasil, afinal, estava sendo chamado pela Justiça. A ditadura ficou em polvorosa...

E a saúde? Tinha emagrecido com uma dieta radical ou estava acima do peso, comendo de forma inadequada?

Era cardíaco. Sofreu um enfarte em 1969, no Uruguai, e se cuidava em Lyon, com o professor Fremont. Fez regime, tomava remédios regularmente, se sentia mais leve. Agora, pergunto: porque era cardíaco não poderia sofrer um atentado? No dia da morte, estava bem. Sobre isso falei com Julio, capataz da fazenda, último a estar com ele. O pai tinha um leilão de gado no dia seguinte. Saiu pelo campo para ver os novilhos, separá-los em lotes. Mais tarde, quando a mãe (Maria Tereza Goulart) foi dormir, ele fez um mate e ficou conversando com o Julio até uma da manhã. Combinaram de sair cedo no dia seguinte. Jango tomou remédios e foi para a cama. Passaram-se 15 minutos. Minha mãe percebeu um ronco forte. Ele pegou o travesseiro, abraçou-o com força e afrouxou em seguida. Já não respirava.

Barreiro explicou, didaticamente, como o veneno teria sido misturado ao remédio: troca-se só uma cápsula do frasco, ficando as demais intactas. Esses frascos ficavam onde? Com Jango? No Hotel Liberty, em Buenos Aires?

Ficavam no Liberty quando chegavam da França. Tinha uma pessoa em Paris que se encarregava de comprá-los. E despachava para o hotel, porque ficamos um tempo vivendo lá até comprar apartamento em Buenos Aires. Era um ponto de encontro de Jango com os amigos. Diz Barreiro que a troca foi feita no Liberty. Meu pai pegava os frascos e os distribuía - deixava uns em Buenos Aires, outros em Montevidéu, outros nas fazendas, outros com ele... Enfim, haveria um araponga infiltrado no hotel.

E o Agente B, de que se fala no filme Dossiê Jango?

Essa figura misteriosa chegou a tirar coisas das gavetas do quarto de meu pai, depois informando ao SNI: "Ontem, clandestinamente, estive na casa do presidente João Goulart e subtraí: carta de Juan D. Perón, carta de Ulysses Guimarães...". Relacionava documentos pessoais, documentos de terras, itens roubados do nosso apartamento no Uruguai. Também tem a ver com o Agente B o envio ao SNI das fotos do último aniversário de Jango. Ou era alguém próximo, já que os convidados posam para a câmera, ou as imagens foram desviadas na fase da revelação. Os presentes foram todos enumerados e identificados para o SNI.

Na representação ao MP, a família pede o testemunho dos estrangeiros ligados à Operação Condor.

Antes que morram todos! Em 1992, o bioquímico chileno Eugenio Berríos, da Dina (polícia política de Pinochet), morreu com duas balas no crânio: uma do exército uruguaio, outra do exército chileno. Era o homem do Projeto Andrea (que produziu venenos e até gás sarin para eliminar opositores de Pinochet). Frederick Latrash está vivo. Foi chefe da CIA em Montevidéu. Eu o denunciei porque, como não se soubesse o paradeiro dele, descobri que era assessor do Senado americano e até fez a campanha do McCain. É um homem de Estado. Quando conversamos com o Peter Kornbluh (autor do livro The Pinochet´s File), ele mesmo diz isso. Michel Townley está nos EUA. Começou como agente da CIA no Chile, foi para a Bolívia, mudou-se para o Uruguai e terminou no Brasil, na abertura. Passou por todos os golpes, é uma fonte fundamental.

E a participação do delegado Sérgio Fleury, do Dops-SP, nos fatos?

Queremos ir atrás disso. Ele andava no Uruguai desde 1972, período em que o movimento tupamaro crescia. Era uma guerrilha urbana, num país pequeno. Não resta dúvida de que foi chamado para ensinar como eliminar por tortura. Fleury tinha conhecido aqui o Dan Mitrione (agente americano que atuara no Brasil, depois no Uruguai, sendo morto por tupamaros), então tudo se conecta. Veja o caso de Cecília Herber, esposa de um senador uruguaio. Em 1978, chegam caixas de vinho para três líderes do Partido Nacional, um deles, o senador Herber. Cecília foi a primeira a provar de uma garrafa. Caiu fulminada. O suspeito é Carlos Miles, químico que, em agosto de 1976, meses antes de meu pai morrer, reunia-se na chefatura de polícia de Montevidéu com Latrash e o Fleury.

O establishment brasileiro ainda teme João Goulart?

Os 50 anos do golpe (1964-2014) vão trazer uma reflexão que já começou na academia, porém o medo é que chegue ao povo. O que se ensina de Jango nas escolas? Nada. Fala-se em reforma do Estado. O que é isso? Reforma agrária, tributária, urbana, educacional, as mesmas que ele propôs há 50 anos e não andaram. Quando fez o Plano de Diretrizes Orçamentárias dedicava 12% dos recursos para educação - hoje não temos 3%. Jango comunista? Onde já se viu comunista com tanta terra? Ou distribuindo terra com título de propriedade? Se fazia um governo fraco, por que não se esperou a eleição que estava prestes a acontecer? Um dia um jornalista indagou: "Presidente, o senhor não acha que o País ainda não estava preparado para as reformas?" Ele respondeu: "Não acho. Senão não estaria aqui, no exílio".
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