terça-feira, 3 de novembro de 2009

TROCA - Paulo Wainberg

Adeus é a palavra mais triste que conheço.
Mesmo assim, quantas vezes tive que dizê-la. Quantas vezes dei adeus a pessoas, a coisas, a sonhos.
E hoje, mais uma vez, vou dar adeus. Adeus a um amigo fiel há mais de cinquenta anos. Um adeus dolorido e triste – como são todos –, um adeus que eu não queria dar, mas sou obrigado, em nome de valores maiores do que uma amizade, e que existem, sim senhor, você pode acreditar em mim.
Não posso mais postergar, vai ser agora, por mais medo, por mais falta que me vá fazer nossa amizade. Não tenho coragem de dar adeus a esse amigo pessoalmente, olho no olho. Perdão, velho companheiro. Receba esta carta e, se puder, me perdoe:

Querido amigo. Lembro, quando fomos apresentados, como se fosse hoje. Eu tinha então doze anos de idade e, confesso, não te gostei, à primeira vista. Recordo que tua atitude me provocou um certo enjoo, um gosto ruim, um engasgar diferente. Mas eu queria a tua amizade e insisti na tua companhia. Aos poucos te tornaste uma das melhores coisas que me aconteceram e tua presença muito me confortou, em horas amargas, e muito me alegrou, nos momentos felizes. E estiveste presente em todas, sem exceção, até hoje, meu caro, e isso não é pouca coisa de se dizer nem de se sentir.
Lembro que, graças a tua influência, muitas namoradas ganhei, pois, magnânimo como só tu, fazias questão de acentuar um certo charme, uma postura sedutora que muito cativava as meninas daqueles tempos.
Ao longo dos anos, foste o calmante das horas nervosas, o tranquilizante quando tudo parecia perdido e, principalmente, o complemento supremo dos melhores prazeres, das maiores glórias, das realizações mais notáveis.
Com o passar dos anos, nossa união passou a incomodar os outros. Não podiam entender a nossa compreensão, nosso entendimento mútuo. Irritavam-se por eu não ir a lugar nenhum sem te levar comigo.
Meus amigos mais próximos e mais queridos iniciaram campanhas contra ti, meu caro, certamente por ciúmes. Passaram a proibir tua presença na casa deles, faziam cara de nojo à simples menção do teu nome e me alertavam para o mal que me fazias.
Mentirosos! O que não faz o ciúme! Nunca me fizeste mal, meu amigo, jamais, e posso provar com prova documental! Mesmo assim meus queridos e ciumentos amigos não acreditaram e tanta censura impuseram à tua presença ao meu lado que, para não te perder, passei a te esconder e, quando sentia falta de ti, me isolava, me afastava: era simples, se eles não toleravam tua presença, que ficassem lá, entre eles, e que nos deixassem em paz, só nós dois e o mútuo prazer que só quem já experimentou, conhece.
Mais tarde, autoridades e governos, inconformados com a nossa amizade, passaram a proibir nossa convivência em praticamente todos os lugares.
Todo mundo sabe que governos e autoridades não têm coração, são insensíveis e brutos. E, num passe de mágica, da noite para o dia, transformaram nosso relacionamento em coisa espúria, feia, inaceitável, proibida. Que ignorância! Querem nos transformar, a nós dois, em objetos, em raridade, submetidos à curiosidade e à execração pública, reservando os piores locais para nossa convivência. Proibiram nossos diálogos em qualquer tipo de viagem, obrigando-nos ao sofrimento de desejar, um ao outro, durante horas intermináveis, mal sabendo que, ao final delas, nosso reencontro era sublime.
E não parou por aí.
Minha família. Esposa, filha, genro, mãe, sogra, cunhados, todos eles sentindo-se diminuídos, como se o fato de eu gostar tanto de ti, meu amigo, significasse gostar menos deles.
Como é frágil, o ser humano. Inseguro, carente e, por que não?, paranóico. Como se isso fosse possível. Minha família não entende que meus afetos não são idênticos. O que sinto por ti, meu amigo, está numa realidade tão distante do que sinto por minha família, que é como comparar uma taça de morangos com chantili com uma blusa de lã com gola rulê a pinicar meu pescoço.
Você, meu querido amigo, sabe que resisti, contra tudo e contra todos. Lutei com todas as armas, me submeti a todas as humilhações, sobrevivi a todos os ataques e mantive nossa amizade, com fidelidade e persistência.
Porém, um novo valor surgiu, contra o qual não tenho argumento, não tenho defesa, sou obrigado a dar este adeus, triste e sofrido. Ainda não estou autorizado a revelar esse novo valor mas posso te assegurar, é irresistível. Foi-me posta a escolha: ou você ou aquilo. E, por mais que te ame, amo mais aquilo. Não há escolha, vou ter que te abandonar para sempre, usar essa palavra de tristeza, abandono e sofrimento: Amanhã te fumo pela última vez. Adeus, meu querido amigo cigarro. Espero ser forte o bastante para suportar tua ausência.

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