quarta-feira, 17 de março de 2010

Viajandão, Fatih Akin conta onde buscou inspiração para seu novo longa

por LEONARDO CRUZ, de Veneza

LEGALIZADO

A pinta é de DJ, mas ele é um dos principais nomes do atual cinema europeu;
sob efeito de cannabis, confessa, escreveu sua primeira comédia
Fatih Akin sorriu meio zombeteiro ao ser questionado sobre as fontes de inspiração para criar "Soul Kitchen". "Fumei muita maconha", contou o diretor, em uma conversa no terraço do Hotel Excelsior, durante o último Festival de Veneza.
"É a única coisa da qual me lembro claramente sobre a época em que escrevi o roteiro. Isso me ajudou a resolver a história. Abriu portas e janelas na minha cabeça", completou Akin, 36, alemão de família turca, um dos principais nomes do atual cinema europeu.
O consumo da erva talvez explique a diferença de tom desse novo filme em relação ao restante da obra do cineasta. "Soul Kitchen" é uma comédia amalucada a quilômetros de distância dos dramas pesados que deram prêmios e fama a Akin no circuito internacional de festivais.
Enquanto "Contra a Parede" e "Do Outro Lado" tratavam de forma sisuda de temas como identidade nacional, imigração e relações entre pais e filhos, "Soul Kitchen" é um olhar terno e bem-humorado sobre a fauna que habita um restaurante vagabundo na periferia de Hamburgo.
O protagonista é Zinos, chef-proprietário prestes a levar o local à falência com as variações de comida congelada que serve aos clientes. Quem o interpreta é Adam Bousdoukos, amigo de infância do diretor, co-roteirista do filme e que foi proprietário de um restaurante por nove anos.
A gênese de "Soul Kitchen" está nessa experiência pessoal. No final de 2003, quando buscava material para um novo projeto, Fatih Akin viu nas aventuras gastronômicas de seu amigo Adam um mote para uma boa história. Ele acabara de montar "Contra a Parede", e sua produtora, a Corazón International, só poderia bancar um novo filme se o custo fosse baixo.
"Achávamos que realizá-lo seria muito fácil e rápido. Afinal, o ator principal é meu melhor amigo, filmaríamos em Hamburgo, que é minha cidade, e faríamos com câmera digital, que é mais barato. Seria assim, 1, 2, 3, e o filme estaria pronto."

PRISIONEIRO DE HOTEL
O roteiro já estava na segunda versão, quando, em fevereiro de 2004, Akin venceu o Festival de Berlim com "Contra a Parede". "Depois daquele prêmio, precisava de algo mais ambicioso. Queria fazer algo mais político, mais crítico, na mesma linha de 'Contra a Parede'."
A comédia ficou engavetada por três anos e Akin cogitou entregá-la a outro diretor. Só voltou aos planos do cineasta logo após as filmagens de "Do Outro Lado", quando Andreas Thiel, sócio da Corazón International, morreu subitamente, de derrame cerebral, aos 49 anos.
"Andreas sempre gostou do projeto, sempre quis que eu o dirigisse. Filmar 'Soul Kitchen' foi uma forma de homenageá-lo." Além do tributo, Akin também desejava um respiro na rotina de viagens dos últimos anos. "Eu era um prisioneiro dos quartos de hotel. Sentia falta de andar de bicicleta no parque pela manhã, de brincar com meu filho depois do trabalho, de dormir na minha cama. Queria fazer um filme e, ao mesmo tempo, sentir-me em casa."
"Soul Kitchen" traduz bem esse espírito caseiro. A maior parte da trama se passa em um enorme galpão em Hamburgo, muito similar ao restaurante que Adam teve. "Acho que conseguimos recuperar a alma boêmia daquele lugar, que estava sempre cheio de músicos, 'freaks', estudantes. Era nosso ponto de encontro, mas não íamos lá pela comida, que era tão ruim quanto vemos no filme. O importante eram os amigos, a atmosfera."
Amigos que Fatih Akin incorporou ao projeto. Além do próprio Adam Bousdoukos como Zinos, o diretor escalou para o longa atores com quem trabalha há muitos anos. Birol Ünel, protagonista de "Contra a Parede", faz Shayn Weiss, um cozinheiro temperamental que tenta salvar o restaurante, uma mistura de Gordon Ramsey, o chef inglês mal-humorado que apresenta programas de culinária na TV, com o alucinado ator alemão Klaus Kinski (1926-1991).
Moritz Bleibtreu, que já atuara em dois projetos de Akin, vive Illias, o irmão de Zinos, ladrão e jogador, que arruma um emprego de fachada no restaurante para manter a liberdade condicional. "Essa é a história de um outro amigo nosso, que cumpriu pena por tráfico de maconha. Só mudamos o crime para que a mãe dele não ficasse chateada quando visse o filme."
Fatih Akin temperou essa receita familiar com ingredientes do cinema narrativo clássico, essencialmente americano, escola que ele aponta como sua principal influência. "Sou muito mais ligado a um Clint Eastwood, que é um excepcional contador de histórias, do que a um Jean-Luc Godard, que é um filósofo do cinema."
Para o cineasta, a mudança de gênero foi um dos principais desafios do projeto. "'Foi quase como um filme de estreia, porque nunca tinha feito comédia e nunca tinha pensado muito sobre o que me faz rir. Tive que descobrir meu senso de humor. E isso me levou a uma lista de filmes que acho engraçados."
Dessa lista fizeram parte obras de autores como Billy Wilder, Woody Allen, irmãos Coen, Jim Jarmusch e Ernst Lubitsch. "Tentei 'samplear' esses tipos tão diferentes de humor, até encontrar o meu próprio. Fiquei satisfeito com o resultado."
O júri do último Festival de Veneza também e concedeu a Fatih Akin o prêmio de melhor roteiro por "Soul Kitchen", que estreia nos cinemas brasileiros no próximo dia 19.

Fonte: Folha de SP

O filme estréia na próxima semana em Porto Alegre, no Guion.

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