quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O grande segredo das praias badaladas - Destinos - Viagem


Por: Viaje Mais/Walterson Sardenberg S.

Quem eram eles? Façamos o inventário. O primeiro grupo: hippies preocupados em expandir a mente – e não as finanças. O segundo: surfistas à cata de praias desertas ( e que jamais imaginaram entrar na onda). O terceiro: estrangeiros com o orçamento tão curto quanto o domínio do nosso idioma. O quarto: ex-universitário proibido de completar o curso devido ao desastroso decreto 477. Para quem esqueceu: o que chutava os fundilhos de quem ousasse pensar em movimento estudantil ou coisa que valha em época duríssima.

Um exército de Brancaleone, tá legal. Ou nem isso. Só um punhado de durangos nos anos de 1970, os estreitos tempos das calças de boca larga. Porém, foram esses afáveis, amáveis, adoráveis e, sobretudo, improváveis pioneiros os responsáveis pelo desenlace no crescimento de alguns destinos de verão mais requintados e requisitados de hoje.

Eles apenas foram chegando, chegando,e, de conversa em conversa, de mochila em mochila, divulgando praias formidáveis. Não tinham essa intenção. Preferiam reservar um segredo, como se as praias pudessem reter as marés. Na esteira deles, vieram os investidores. Depois, o conforto comparável a um pijama de seda sob medida feito na loja londrina Turnbull & Asser. E nem faz tanto tempo assim...


Ponha aí na lista: Trancoso, Praia da Pipa , Jericoacoara, Arraial dá Ajuda, Canoa Quebrada, Itacaré, Corumbau, Praia da Pipa, Jericoacoara, Arraial d´Ajuda, Canoa Quebrada, Itacaré, Corumbau, Praia do Rosa... E adicione lugares como Paraty e Búzios, renascidos depois do desembarque desses forasteiros – que, sejam justos, pouco tinham em comum, além do orçamento diminuto e em muitos casos, da apreciação do comunitário artigo conhecido por cânhamo, embora o vulgo se incline a sinônimos menos sóbrios.

Soem os clarins: graças ao tal exército de Brancaleone, todos os privilegiados pontos da orla lograram, mais tarde, construir aposentos dignos de receber o ex-hippie Rod Stewart e o ex-pobretão Bill Gates. Já receberam os três, aliás. Praias de pescadores que, por décadas, tinham somente casabres, casinhas ou palhaças – fica o seu cargo escolher a palavra – exigem agora o Uxuá e o Kilombo. Coisa finíssima.


A Pousada Uxuá foi montada em Trancoso, no sul da Bahia, por Wilbert Das, o diretor de criação da gripe Diesel, aquela que vende índigo a preços de indignar. O estilista holandês ergueu bangalôs – escolheram a palavra por ele, vá lá – com 300 metros quadrados. Já o Kilombo, construído na Praia da Pipa, no Rio Grande do Norte, acena com Villas – batismo a cargo de um italiano – dotadas de três andares, 280 metros quadrados, piscina na penthouse e mordomo exclusivo – que, pondere-se, evita a casaca em virtude da canícula potiguar.

Nos anos de 1960, os moradores de Trancoso mal conheciam a moeda nacional. De manhã, soltavam as galinhas e as crianças. Fim da tarde, as recolhiam. Ficaram escandalizadas quando um grupo de jovens com sotaque paulistano passou a frequentar a praia trajando um figurino no que , nos dias correntes, alvoroça muito mais dermatologistas e fabricantes de biquíni: só uma fitinha do Senhor do Bonfim no pulso. Eram os biribandos, assim batizados pelos caiçaras. Até Sonia Braga e Elba Ramalho aderiram à Trancoso e à moda. Sem a fitinha. Uma amarelada foto de Sonia, despida de pudores, enfeita uma parede do Hotel da Praça, um dos mais refinados de Trancoso.


Em Arraial d'Ajuda, praia vizinha, Ari Sobral, engenheiro de formação, também livrou-se das vestes. Mas só para atravessar a nado o Rio Buranhém e dar aulas de Matemática em Porto Seguro. Cismou de nunca mais calçar sapatos. Agora, tem um grupo de reggae. Descalço convicto, percorre a chique Estrada do Mucugê, reclamando dos graciosos restaurantes com attouchement francês e lojinhas descoladas, que transformaram o lugarejo em gostoso endereço internacional. Um saudosista.

O mesmo enredo foi vivido na Praia da Pipa e em Jericoacoara. Há 17 anos, o vilarejo potiguar tinha três veículos, um só telefone e nenhum chuveiro elétrico. Agora, a casa de câmbio local trabalha com franco suíço, coroa sueca e dólar neozelandês, além dos corriqueiros dólar americano e curo. Jericoacoara, no Ceará, conheceu a primeira torneira — essa vanguarda tecnológica — em 1988. Hoje, a carta de vinhos do restaurante Leonardo da Vinci capricha nos tintos da Toscana. Algumas garrafas custam além de R$ 1.600.

Itacaré, na Bahia, cai bem na lista. Era uma terra arrasada pela praga-de-bruxa. Esse terror da lavoura devastou as fazendas de cacau e o humor dos coronéis de Jorge Amado. Então, vieram os surfistas e, na esteira deles, resorts que brigam duro, duríssimo, entre si pela qualidade, como ensinava a cartilha dos coronéis de outrora. Bem - aventurados sejam os surfistas. Certa vez, perguntaram ao grande desenhista Maurício de Sousa, o pai da Mônica e de outros nove filhos, como ele fazia para escolher um lugar para as férias. Resposta curtinha para caber num balão de HQ: "É simples. Sigo os surfistas". Faz muito bem. Cada uma dessas praias tem personagens marcantes, como aqueles dos quadrinhos.

Alguns são anônimos, como o doidivanas que, em transe espiritual, pintou uma lua e uma estrela numa falésia da praia cearense de Canoa Quebrada. O desenho virou uma logomarca e até música de Vinícius Cantuária, sucesso na voz de Caetano: "menina do anel de lua e estrela...".


Outros pioneiros foram se tornando celebridades de cada praia. Graça Mouro, de Jericoacoara, é aquela da primeira torneira, inaugurada no restaurante Espaço Aberto, ainda de pé. Irvando Molina, surfista da Praia da Pipa, ganhou o apelido Farmácia por ter trazido, lá se vão três décadas, algum material de primeiros-socorros, providencial no trato das escoriações dos pescadores. Aventureiro, saiu para dar uma voltinha, uma simples voltinha, e passou dez anos no Caribe. Foi dado como morto. No retumbante retorno à praia adorada, feito de surpresa, a irmã do Farmácia baixou ao hospital, surpreendida pela súbita visão do "fantasma". No momento, o indigitado leva os visitantes a reconfortantes passeios de canoa.


Em Paraty, a figura marcante era o poeta José Kleber, dono do bar Valhacouto. Ele presenciou e apoiou, resoluto, enfático, um porre de juntar criança, cujo clímax foi uma bravata separatista. A cidade tornara-se independente e alheia aos ditames daRepública. Durante os dias subsequentes, muitos incautos acreditaram. Militares paranoicos e desprovidos de um mínimo de senso de humor levaram a coisa a sério. Por via das dúvidas, o Valhacouto, sede da insurreição, estava fechado. O saudoso José Kleber é o autor do hino extra oficial de Paraty.

Os personagens da Praia do Rosa, em Santa Catarina, para não fugir à regra de Brancaleone, são um grupo de surfistas. No caso, gaúchos. César Pegoraro, Bebeto da Costa, Rogério Lopes, Renato Sehn e demais amigos do peito suaram as camisetas Hang Ten nas precárias estradinhas, pilotando fuscas e surradas peruas e trazendo pranchas na capota. Bateram de frente com os pescadores. Probleminha: o surfe espantava os peixes, assim como a parafina arrepia os cabelos.

No embate, pranchas foram reduzidas a tocos, a retalhos, antes de um acordo de cavalheiros. Ficou combinado assim: haveria dias para o surfe e outros para as pescarias.

Vencido o impasse, enquanto novos surfistas e agregados foram desembarcando, os pioneiros se deram conta: aquela enseada delineada no sopé das montanhas era bonita demais para resistir ao turismo. Havia ondas perfeitas em cada ponta da praia e um trecho de águas serenas, bem no meio, apropriado para as famílias. E ainda sobrava espaço para os argentinos.

Espertos, os surfistas aproveitaram para comprar terras, pagando uma ninharia. Rogério custeou seu quinhão em prestações, com os rendimentos — ou rudimentos — da diminuta mesada. Renato foi mais longe, em todos os sentidos: comprou a Ilha do Papagaio, de 142 mil metros quadrados, pagando R$ 16 mil. Para efeito de comparação: um automóvel Opala valia cerca de R$ 4 mil a menos à época. Hoje, são todos esfuziantes donos de pousadas. E, bah! Continuam surfando, claro.


A ficha também caiu para os biribandos de Trancoso, em especial para aqueles oriundos de famílias paulistas de renome e sobrenome. Eles também pagaram uma merreca por terrenos na praia instalada à beira de um platô e em vias de ser frequentada não mais pela juventude vestida de vento, mas pelas grifes de elite. Tornaram-se donos de pousadas e até do Club Med e de condomínios luxuosos. Depois, recepcionaram os estrangeiros, que tornaram-se amigos. Alguns, concorrentes.

Os estrangeiros também ocuparam a fluminense Búzios na época em que, diria o poeta Mário Quintana, o tempo era só um ponto de vista dos relógios. Não, ninguém está falando de Brigitte Bardot, que só passou, etérea, volátil, mais preocupada com outros bichos. Um nome de fato representativo na atuação dos gringos é Phillipe Alain Michel Nys. Ou apenas Tiff. Ao chegar em Búzios, vindo da Bélgica, portava US$ 1 mil nas bermudas. Féria curta para a proposta de férias longas. A saída foi com-prar um fogão de uma única boca — desses de acampamento —, preparar crepes à francesa e vendê-los num balcão mínimo, na encantadora


Rua das Pedras. Encurtemos a novela. Tiff é dono da Estância Don Juan (especializada em carnes na brasa), do Chez Michou (democrático bar ao ar livre) e do Pátio Havana (misto de bistrô, casa de shows e wine bar). Todos na Rua das Pedras. Um belga, o rei da noite de Búzios...

Assim como Washington D.C., Ottawa e Brasília — embora sem a mesma gravidade —, alguns dos mais concorridos destinos de verão nasceram no papel, planejados tintim por tintim, como um desfile de modas e alguns golpes de Estado. Foi assim com Cancún, no México. Ou com Punta Cana, na República Dominicana. Até mesmo com a bem-estruturada Costa do Sauípe, na Bahia.

Sem nenhum planejamento, um bando de hippies, surfistas, durangos e estrangeiros desgarrados também soube fazer. E sem querer.


Um comentário:

Anônimo disse...

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