segunda-feira, 23 de abril de 2012

A miséria precisa ter a causa atacada, diz Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia de 1998

Com agenda lotada antes de realizar a primeira conferência da edição 2012 do ciclo Fronteiras do Pensamento, economista respondeu por e-mail parte de uma lista de perguntas enviadas por Zero Hora

Palestrante do Fronteiras do Pensamento, Sen afirma que a Índia tem muito a aprender com o Brasil
Foto: Chris Bourchier / Fronteiras do Pensamento


Luiz Antônio Araujo e Maria Isabela Hammes
luiz.araujo@zerohora.com.br | bela.hammes@zerohora.com.br
Poucos países estiveram tão presentes como o Brasil nas reflexões do economista e professor Amartya Sen nos últimos anos. Dedicado ao estudo de temas como pobreza, subdesenvolvimento e história econômica de países atrasados, o Prêmio Nobel de Economia de 1998 considera que, na raiz desses e de outros fenômenos, há uma carência comum: a de liberdade.

Sen nasceu em Santiniketan, então parte da Índia britânica, em 1933. Formou-se pelo Trinity College, na Universidade de Cambridge, Grã-Bretanha. Após lecionar em instituições indianas e britânicas, assumiu em 1987 uma cátedra em Harvard. É um dos pais do Índice de Desenvolvimento Humano.

Com agenda lotada antes de realizar a primeira conferência da edição 2012 do ciclo Fronteiras do Pensamento, na próxima quarta-feira, Sen respondeu por e-mail parte de uma lista de perguntas enviadas por Zero Hora. A seguir, uma síntese da entrevista.

Zero Hora – Em anos recentes, assistimos ao declínio da presença econômica e militar americana no mundo, à crise da União Europeia e à ascensão de potências regionais como China, Índia e Brasil. Quais serão os desafios centrais dessa nova era?

Amartya Sen – A economia dos EUA e as europeias são ainda a mais poderosa influência no comércio mundial e no movimento de capitais hoje. Assim, não há um grande problema de forma geral. De qualquer maneira, duas sérias preocupações permanecerão. Uma é a necessidade de um entendimento comum da natureza e das exigências de uma forte economia mundial. Os europeus saíram pela tangente com um programa desesperado e mal pensado de austeridade severa quando as economias estão sofrendo de altos níveis de desemprego e grandes deficiências na demanda. A segunda questão será encontrar outra moeda para assumir o lugar do dólar americano quando a economia americana se tornar uma parte menor da economia global.

ZH – Alguns analistas dizem que estamos testemunhando o começo do fim do capitalismo. Outros afirmam que uma nova onda de inovação e compromisso social pode recolocar o capitalismo no caminho do crescimento. Qual é a sua opinião?

Sen – Se por capitalismo designamos uma quase total confiança na economia de mercado, com pequeno papel do Estado, então não há muitas economias capitalistas no mundo hoje. Dos EUA à Europa, Austrália e Canadá, até o Japão e China e Coreia do Sul e Cingapura e Brasil, a confiança na economia de mercado tende a ser combinada com grandes papéis do Estado – fazendo o que a economia de mercado negligencia, como saúde pública, educação pública, fornecer subsídios de desemprego, apoiar os mais pobres. O problema não é o que acontece a essa entidade teórica chamada capitalismo, mas qual deve ser o equilíbrio entre as instituições de mercado e as instituições de Estado, entre o mundo dos negócios e “outros mundos” de um país, aquele entre partidos políticos e democracia, aquele de ONGs e sindicatos, de distribuição de informação e o uso efetivo da informação disponível.

ZH – Quais são seus prognósticos sobre o futuro da China?

Sen – Acho que a economia chinesa é muito forte e assim vai permanecer no futuro próximo. No entanto, tem de enfrentar os problemas de expandir suas características democráticas.

ZH – Índia e Brasil têm muito em comum. Quais são os maiores desafios para os governos indiano e brasileiro?

Sen – Quando Jean Dreze e eu escrevemos nosso primeiro livro em conjunto, Hunger and Public Action (Fome e Ação Pública, em tradução livre) em 1989, reclamamos sobre o fato de que, apesar de seu crescimento econômico, o Brasil fazia muito pouco pela edificação da capacidade humana e para a melhoria da qualidade de vida. Agora, o Brasil tem se mostrado muito capaz de utilizar os recursos gerados pelo crescimento para melhorar as vidas e as capacidades humanas. A Índia ainda faz demasiado pouco. É parecida com o Brasil de 1989. Em nosso próximo livro sobre a Índia, Jean Dreze e eu afirmamos que a Índia tem muito a aprender com a transformação do Brasil de uma economia de “alto crescimento” a uma comprometida com o rápido desenvolvimento humano.

ZH – Seus estudos introduzem uma nova compreensão de conceitos sobre miséria, fome, pobreza e bem-estar social. No Brasil, houve melhoria nos últimos anos, mas a miséria ainda é grande, tanto que um dos programas mais importantes do governo é o Brasil sem Miséria. Como isso pode ser efetivamente combatido?

Sen – É claro que a miséria pode ser vencida com políticas sociais e econômicas inteligentes, humanitárias. O Brasil avançou de forma considerável nesse aspecto nas últimas décadas. A melhor maneira de acabar com a miséria é acabar com a causa da miséria – as verdadeiras carências que afetam as vidas humanas.

ZH – O senhor também fala sobre liberdade como promotora do desenvolvimento. Pode explicar isso melhor?

Sen – Temos de fazer duas perguntas. Primeiro, por que queremos o desenvolvimento e de que forma? A resposta deve incluir a compreensão de que as vidas humanas são enriquecidas com mais liberdade. Em segundo lugar, como isso pode ser obtido? Discuti no meu livro Desenvolvimento como Liberdade (Companhia das Letras, 2000) como a liberdade de cada tipo tende a ajudar a realização de liberdade de outro tipo. Por exemplo, a capacidade – de liberdade – de ler e escrever, que é valiosa por si só e ajuda a progredir na capacidade de conseguir emprego e ganhar renda, também valiosos por si só. Nesse sentido, a liberdade não é apenas o final mais importante do desenvolvimento, é também o meio mais eficaz de desenvolvimento.

Tradução: Guilherme Justino

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