sexta-feira, 25 de maio de 2012

Madureza, por Fenandinha Torres



O romance Na Praia, de Ian McEwan, se passa na aurora dos anos 60. Edward e Florence casam-se virgens e sexualmente reprimidos. O matrimônio, na época, servia de atalho para a liberdade da vida adulta. Os jovens não tinham importância, vez ou voz. Seu maior desejo era crescer e se transformar na imagem fiel dos próprios pais.
A revolução de costumes que tomou de assalto a década dotou a juventude de um caráter heroico, libertário, igualitário, poético e incorruptível. Os valores morais da era vitoriana só foram sepultados na segunda metade do século XX, quando a terceira idade saiu de moda e perdeu definitivamente seu posto no mercado para a calça velha, azul e desbotada.
Cinquenta anos depois, ser jovem se transformou em obrigação. A revolta contra a opressão de uma sociedade dominada por anciãos cedeu lugar à angústia da juventude eterna. Ter mais de 30 anos não causa mais desconfiança, mas pena. As mulheres lutam contra as rugas e os homens contra a barriga. Aplicam-se Botox, restilene, faz-se lifting, implantam-se silicone e cabelo. Senhoras de 40 ostentam bocas de Pato Donald e as de 80 têm o mesmo ar esquisito das de 50.
No belíssimo filme de Wim Wenders sobre Pina Bausch, os bailarinos maduros suplantam em fascínio os mais novos. Mesmo a deslumbrante mocidade de Pina apenas aponta para a artista que ela viria a ser, a reunião de todos os seus anos de ex pe riên cia. A japonesinha grita que é jovem, forte e bela, mas não consegue esconder a evidente fragilidade. Os antigos parceiros da coreógrafa, os que fundaram seu método e lhe serviram de tinta, ao contrário, são plenos de humor e inteligência, virilidade e compaixão, melancolia e tragédia.
Adriana Esteves me falou do prazer de encarnar um papel condizente com a sua idade e da conquista de poder fazer a mãe de um homem feito. A ignorância juvenil, apesar da invejável alegria e coragem, restringe o espectro das tramas. Ninguém nasce com a compreensão de que o ser humano é torto e falho. Ela chega mais tarde, destruindo as opiniões categóricas sobre qualquer assunto. A vida se mostra bem mais complexa do que sugere o furor maniqueísta dos verdes anos; perde-se a vitalidade, mas também, e graças a Deus, a prepotência.
Eu me recuso a acreditar que não há recompensa na velhice. E, se não há, é preciso inventá-la. A consciência da morte deprime e a deterioração física assusta. É duro manter o otimismo. Mas basta olhar o rosto dos bailarinos de Pina, com seus cabelos desgrenhados e suas linhas de expressão à mostra, uma sobriedade europeia de amadurecer que as Américas se recusam a adotar, para sonhar com uma alternativa menos cruel do que sofrer por não ter mais 15 anos.
Estou ficando velha. Não aguento mais assistir a crianças diáfanas desfilarem para lá e para cá nas passarelas. Apesar de irresistíveis, anseio que me provoquem algo além da tristeza de não me parecer mais com elas.
As conquistas recentes da medicina aumentaram a expectativa de vida da humanidade. A pressão social exercida por essa massa de gente grande, espero, enfrentará a ditadura da adolescência sem fim. Eu me sinto como se estivesse prestes a testemunhar uma reviravolta.
O balé é como o esporte e a matemática. As principais realizações acontecem muito cedo e a aposentadoria se dá logo aos 40 do primeiro tempo. Será que, a exemplo de Pina, não é possível substituir o culto à perfeição física pela sapiência da idade?
Quando minha mãe era bem moça, ouviu do velho ator português João Vilaret: “Fernanda, você tem muito talento, mas só vai entender isso daqui a vinte anos”.
Bibi está prestes a completar 90. No dia 1º de junho celebrará a data em cena, no recém-inaugurado Teatro Tereza Rachel. Já reservei meu lugar. Perguntada a respeito de um grande arrependimento na vida, Bibi respondeu: “Ter tirado as minhas sobrancelhas”. Que aspirante a atriz teria essa verve? Que belezinha imberbe evitaria a longa resposta enfadonha e a chatice de se levar a sério?
O homem velho é o rei dos animais.

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