quinta-feira, 16 de maio de 2013

África de saias: documentário mostra mulheres que desafiam o senso comum

“Mulheres Africanas – a rede invisível” é um filme brasileiro, que estreia no próximo dia 8 de março, e mostra cinco africanas ilustres que desafiam a sociedade e revelam uma face diferente do continente




Esqueça a imagem da mulher africana subalterna, submissa, despolitizada, coitadinha. No próximo dia 8 de março, estreia em São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Rio de Janeiro e Brasília, o documentário nacional “Mulheres Africanas – a rede invisível” (Cinevideo), um desafio a esse estereótipo. Dirigido por Carlos Nascimbeni, ele foi filmado em quatro países africanos: Moçambique, Tanzânia, Gana e África do Sul. É um ensaio que intercala imagens do cotidiano africano com o depoimento de cinco africanas de projeção mundial: Graça Machel, política e ativista, esposa de Nelson Mandela; Leymah.
Gbowee, vencedora do Prêmio Nobel da Paz; Mama Sara Masari, empresária;
Luisa Diogo, ex-Primeira Ministra de Moçambique, e Nadine Gordiner, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura. São mulheres que combateram a guerra com a paz, que se tornaram grandes empresárias em um país muçulmano, que desafiaram um destino de pobreza e dificuldade que parecia definitivo. Carlos Nascimbeni falou à Marie Claire sobre o trabalho:
Marie Claire - Como surgiu a idéia de procurar essas mulheres ilustres africanas? Que histórias vocês queriam contar?
Carlos Nascimbeni – A ideia original do projeto é da Monica Monteiro, produtora da cinevídeo. Nós começamos a conversar e tínhamos essa intenção de mostrar a atuação da mulher nessa nova África que surge, um continente aquecido pela industrialização e desenvolvimento econômico mas que conserva traços tribais muito importantes. A noção que se tem ainda hoje é de uma mulher africana frágil, muito subalterna e submissa. Mas já existem muitas mulheres fora desse estereótipo. Optamos por entrevistar cinco delas que nos dessem também uma diversidade de países interessantes. Abordamos a questão da África do Sul e sua riqueza, Moçambique, um país destroçado por duas guerras, Libéria, um país em conflito, Tanzânia e a preocupação com parques nacionais.
MC - Por que o filme chama Mulheres Africanas - A rede invisível?
Carlos – A mulher africana é essa que ninguém conhece, que pouca gente vê, mas que são as responsáveis por tecer as relações sociais no continente. Há um ditado local que diz: “as mulheres seguram metade do céu, se elas soltarem, o mundo rui”. É exatamente isso. Leymah Gbowee dá um exemplo disso: as mulheres é que reconstruíram a Libéria depois da guerra civil. O conflito ali foi devastador, ela relata que com freqüência você tinha dois irmãos, um de cada lado do front. O resultado eram milhões de famílias destruídas. As mulheres trouxeram os homens que tinham matado os próprios filhos delas de volta para comunidade e disseram que precisavam deles também para reconstruir o país. Foram elas que passaram por cima da própria dor para reunificar a população. A rede invisível de mulheres atua em toda a África que é uma rede invisível. Em Moçambique, no mercado só há vendedoras mulheres. Elas compram a produção de outras mulheres, que são quem planta. E outras revenderão depois delas, há uma teia de relações.
MC - São as mulheres a maior força produtiva na África hoje?
Carlos – Super. É preciso colocar com cuidado. África é composta por 55 países, nós fizemos um recorte, sobretudo na parte sul do continente. Mas elas realmente se destacam não apenas no contexto familiar e tribal, onde sempre foram muito importantes. As mulheres têm uma atuação destacada enquanto força produtiva, na liderança política, nas universidades. Mama Sara Masari, da Tanzânia, é praticamente um Antônio Ermírio de Moraes do país, uma mulher de negócios muito bem-sucedida e que é muito ouvida por todos os empresários. E isso tudo em um país mulçumano! O único espaço que as mulheres ainda não ocuparam mais foi na indústria africana, predominantemente masculina.
MC - Em um dado momento do filme, Leymah pergunta “por que celebramos Mahatma Gandhi, por que celebramos Martin Luther King, por que celebramos Nelson Mandela e não celebramos as mulheres que fazem o mesmo trabalho que eles todos os dias”. Vocês sentiram algum revanchismo delas em relação aos homens?
Carlos – Nenhum revanchismo, nenhuma mágoa. Ela só queria ressaltar como elas fazem também uma resistência pacífica à guerra e à violência, como esses líderes homens. O impressionante é esse caráter silencioso, invisível mesmo da atuação feminina. Luisa Diogo, ex-Primeira Ministra de Moçambique, conta que o avô dela era um líder na comunidade. Quando alguém brigava com o marido, tinha sua cabra roubada ou passava por qualquer outro problema, corria até a casa dele para pedir seus conselhos. Quando ele sabia responder, dava resposta. Mas frequentemente ele não sabia o que dizer. E então respondia: “vou dormir com a sua pergunta e amanhã te trago a resposta”. À noite, ele perguntava para a mulher, que dava a solução. Até que um dia descobriu-se que era ela, na verdade, a sábia da tribo. Esse é um exemplo corriqueiro de uma teia de relações muito forte na África. As relações pessoais e familiares têm uma força. E a mulher é que rege isso.




Fonte: http://revistamarieclaire.globo.com

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