quinta-feira, 8 de outubro de 2009

UMA VERDADEIRA NAÇÃO

Paulo Wainberg

Hoje sinto que vivo no primeiro mundo: Copa do Mundo no Brasil, Olimpíadas no Rio de Janeiro.

No imaginário que construí, considerando minhas décadas, essas coisas só aconteciam por lá, Europa, Estados Unidos, lugares de gente civilizada, de gente melhor do que nós.

Cresci ouvindo que o melhor não era para nós, o bom estava na Inglaterra, na América (ainda lembro da pergunta que fiz ao meu pai: - Por que a América é Estados Unidos, se nós também somos da América? Não lembro a resposta, mas com certeza não gostei...), no Brasil havia “coisa de brasileiro”, menor por definição.

Não foi por acaso que meus heróis eram os soldados americanos matando alemães, Super-Homem e Batman os paladinos da justiça, cabendo-me Oscarito e Grande Otelo, nas matinês eventuais, mostrando a ingenuidade de nosso humor e a pobreza de nosso espírito.

Hoje não! Hoje eu vou mostrar ao mundo que meu país é o maior, que minhas mazelas sociais estão sendo enfrentadas, que somos um povo, uma Nação, um País, um Estado de Direito!

Hoje meu orgulho de ser brasileiro vai além, ultrapassa os limites regionais. Hoje eu afirmo que o Hino Nacional é o mais lindo, mais lindo do que a Marselhesa, mais lindo do que o jazzístico hino americano, mais lindo do que God Save the Queen.

Hoje sou maior do que o Japão tecnológico, do que a Espanha histórica, inquiridora e fascista, maior do que Chicago e seus gangsteres.

Hoje sou Brasil, sou brasileiro, tenho voz, tenho moeda, tenho valor, tenho valores, tenho realidade – que é bem mais do que apenas esperança.

Tanto ufanismo não é a toa. Vem bem à propósito de um pensamento que sempre me persegue, polêmico e atual: legalizar as drogas.

Chicago, a quem derrotamos hoje de goleada, foi o ícone do século XX em matéria de crime organizado, guerra de quadrilhas, grandes líderes criminosos tais como Al Capone, Dillinger, Scarface e seu adversário histórico, o famoso Eliot Ness e seus Intocáveis.

Tudo começou porque a hipocrisia legislativa e o cinismo ético norte-americano resolveram proibir a comercialização e o consumo de bebidas alcoólicas, a famosa Lei Seca.

A partir dessa proibição criou-se no território norte-americano a indústria clandestina de fabricação de bebida alcoólica e a rede criminosa de distribuição para servir o cidadão comum que aplaudiu, entusiasticamente, na Igreja e no jornal, a proibição.

Juntamente com a bebida, instrumentalizados por cubanos, porto-riquenhos e mexicanos, maconha e cocaína ingressaram no rol proibido, enriquecendo cartéis que agiam sob a proteção de policiais corruptos, juízes cooptados e deputados mafiosos, ensinando ao Mundo a arte criminosa de transgredir, de infringir a lei e, a mais grave de todas, da impunidade.

Heróis urbanos, os grandes ‘capos’ exerciam a popularidade na mídia, debochavam de júris populares e proviam a classe média de bebida e drogas, encaminhando a grande Nação para a degradação e decadência da qual só emergiu quando o Japão atiçou o ‘american way of life’ atacando Pearl Harbor.

Revogada a Lei Seca, a consequência imediata foi a de transformar o mais cruel gângster, fabricante ou vendedor de bebida alcoólica, em respeitável comerciante, cumpridor de suas obrigações sociais e pagador de impostos.

Como que num passo de mágica, restaurou-se a legalidade. Porém, era tarde demais, as drogas ocupavam seu espaço e o crime organizado migrou para a porta escancarada do vício e da dependência.

Tal qual o jogo do bicho, no Brasil, o tráfico gerou o contra-tráfico, organizações policiais especializadas no combate ao delito, combate este sem nenhuma possibilidade de sucesso, como se vê até hoje.

O sistema se auto-alimentando: o crime gerando o contra-crime e o tráfico continua, assim como o jogo do bicho continua.

O pensamento que referi acima, não me deixa em paz: por que não liberar a comercialização da droga e acabar com o tráfico e suas repetidas guerras e ondas de violência?

Em todo o mundo já se sabe que, a cada geração, um determinado número de pessoas irá consumir drogas, delas se tornará dependente, proibidas ou não.

Na Holanda, onde se fez uma experiência – que ainda vigora – liberando-se a droga, verificou-se que o número de dependentes não diminuiu, mas também não aumentou. Mas o crime organizado do tráfico desapareceu. Lá não existe disputa armada por pontos de comercialização, guerras entre gangues, morticínio, filhos espoliando e matando os pais por dinheiro para comprar entorpecentes, tragédias urbanas e demais desastres que aqui, entre nós, são diárias e cotidianas.

Está sobejamente demonstrado que a proibição é ineficaz para combater o consumo de drogas. Ao contrário, sendo proibida, tende a ser mais sedutora para os jovens e seu natural ímpeto contraventor.

Tome-se, por exemplo, o cigarro. Assim como qualquer outra, o cigarro é uma droga. Entretanto as políticas governamentais, felizmente, não estabeleceram sua ilicitude e sim as campanhas de conscientização e, o que é mais importante, a limitação dos espaços onde é possível fumar.

Você pode comprar cigarros em qualquer supermercado, mas para fumar, você tem cada vez menos espaço. E quem controla esses espaços? Os não fumantes, aqueles a quem você (e eu) incomoda com a fumaça e com o cheiro que exala de sua boca, de sua roupa e de seu corpo.

Se os dependentes químicos puderem comprar suas drogas em farmácias, livremente, acompanhados de fortes campanhas publicitárias, com limitação de locais para consumo, talvez não diminuamos o número de drogados. Mas, a exemplo do que aconteceu na Holanda, não haverá aumento e a grande conquista consistirá em acabar com a verdadeira guerra urbana que o tráfico de drogas e seus marginais provoca, inundando as cidades de insegurança e de crimes atrozes.

As campanhas institucionais contra o cigarro e seus malefícios são excelentes, – e olha que sou um fumante – as limitações sobre locais para fumar e o constrangimento público que os fumantes sofrem são altamente conscientizadores. Por que não fazer o mesmo com as drogas?

Nosso País é tão grande, nossa população tão imensa, nossa diversidade cultural tão rica, estão exigindo que se acabe com a favela e seus ‘protetor’ o traficante.

Reconheço: minha opinião é polêmica e não quero ser o dono da verdade; Mas propor o debate aberto, não preconceituoso e partindo do princípio, cientificamente comprovado, segundo o qual a dependência química é uma doença e não uma falha de caráter, que o drogado merece tratamento e não exclusão, parece ser um bom caminho para enfrentar a tragédia.

A maior grandeza de uma Nação é admitir suas mazelas, enfrentá-las de frente, sem cinismo e sem paliativos.

Hoje me sinto um Brasileiro, membro de uma Grande Nação.



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