segunda-feira, 2 de agosto de 2010

COISAS DA VIDA

Paulo Wainberg

Dentre todos os utensílios domésticos que já procurei e não achei, o mais dramático foi o saca--rolhas.
Sozinho em casa você se prepara para assistir o jogo na TV quando soa a campainha: um antigo conhecido que há tempos você não via, passando por ali, resolveu fazer uma visita rápida.
Você oferece um vinho e dá inicio a um processo torturante de busca quando, ao abrir a gaveta dos talheres, na cozinha, verifica que o saca-rolhas não está lá.
A visita está sentada na sala e você, já desesperado, abre e fecha gavetas, portas de armários e nada de um saca-rolhas para abrir o vinho.
Bagas de suor correm de sua testa enquanto você tenta arrancar a rolha com uma faca serrilhada e pontuda que se quebra imediatamente deixando você, literalmente, com o cabo na mão.
Você se acalma e reflete: “está aqui, eu é que não estou vendo” e começa a busca, desta vez sistemática, inclusive na gaveta dos panos de prato, que você desarruma irremediavelmente e... não acha.
Você começa a pensar que nunca teve um saca--rolhas em casa e lembra que há três dias ele foi usado por você mesmo, quando sua mulher estava lá e a empregada também.
Você pediu o saca-rolhas com a simplicidade de quem pede uma lata de azeite e ele foi posto ao seu dispor em menos de quinze segundos.
Mas agora, sozinho em casa, a visita na sala, você tenta fazer o raciocínio delas, as mulheres que cuidam de seu lar: Qual é o misterioso lugar onde elas guardam o saca—rolhas?
Qual esconderijo profundo elas instituíram na cozinha para tornar aquele momento num dos mais tormentosos de sua vida?
Um sorriso aflora em seus lábios trêmulos: “É lógico, como não pensei antes?
O armário do corredor onde estão os pratos, talheres, cálices e copos, reservados para uso numa ocasião especial que, nos últimos vinte anos, ainda não aconteceu.
É lá que está o saca-rolhas!”.
Mas não é. No armário do corredor há coisas que você nunca soube que estavam lá, outras que você não imagina para o que servem, acha um velho cachimbo que, há quinze anos procurou como um louco, eis o faqueiro de prata para as ocasiões especiais, mais ou menos doze porta-retratos vazios, empilhados lá no fundo, uma caixa repleta de parafusos variados e alguns pregos, quatro pacotes de guardanapos de papel impressos com as suas iniciais e os de sua esposa, dezenas de flechas para tomadas porém, nenhum saca-rolhas.
Abridor de lata tinha cinco.
De volta para a cozinha você abana para a visita e já está a ponto de propor uma água mineral em troca do vinho quando percebe que está sendo seguido!
Sim, a visita vem atrás de você, entra na cozinha e pergunta se pode ajudar.
Com um sorriso desolado você confessa:
-- Desculpe, não consigo achar o saca--rolhas.
-- Está ali – diz a visita, apontando para um lugar na parede, ao lado do refrigerador. Sim, ali está o saca--rolhas, pendurado num negócio de madeira com ganchos e que você nunca tinha visto antes.
E o saca--rolhas está ali, placidamente pendurado, bem à vista dos seus olhos caso você tivesse olhado para lá.
Aliviado, você volta para a sala com a visita, abre a garrafa (é um saca--rolhas a vácuo ou coisa assim), serve e se recosta, ponderando intimamente que precisa prestar mais atenção nas coisas domésticas.
A visita bebe um gole, dá um suspiro e começa a contar todos os problemas de sua vida, desde os quinze anos.
Você já se conformou, não vai poder assistir ao jogo na TV mas, depois da segunda garrafa, quem liga?

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