segunda-feira, 16 de julho de 2012

Aeronaves particulares são usadas até para ir a um restaurante

Nos últimos quatro anos, o número de aeronaves particulares saltou 32% no país

A empresária Mayuli Lurbe se matriculou num curso de piloto depois de comprar um avião particular Foto: Marcos Alves / O Globo

A empresária Mayuli Lurbe se matriculou num curso de piloto depois de comprar um avião particular
Marcos Alves / O Globo




SÃO PAULO - Seis aviões de pequeno porte passam por manutenção no aeroporto de Jundiaí, cidade próxima a São Paulo, quando a empresária Mayuli Lurbe Fonseca, de 35 anos, chega dirigindo sua Mercedes Benz.
De óculos escuros, ela consulta emails no celular (estampado com logotipo da Louis Vuitton) enquanto aguarda as primeiras orientações sobre o curso que está prestes a torná-la piloto de avião. Bem-sucedida à frente de uma empresa que administra hospitais no Brasil e em Angola, Mayuli vai desembolsar R$ 65 mil por 60 horas de voo. Para fugir dos aeroportos, "que mais parecem rodoviárias", está disposta a dividir, com um sócio, cerca de US$ 500 mil (R$ 990 mil) necessários para comprar um avião de pequeno porte. Servirá para cumprir a agenda profissional apertada, para os dias em que acorda em São Paulo, visita o Tocantins e dorme em Minas Gerais.
— O que eu vou gastar com o avião é quase o que eu paguei pelo meu carro — justifica a empresária.
Assim como Mayuli, profissionais de diferentes áreas passaram, nos últimos anos, a considerar a aquisição de um avião para chamar de seu. Ajudaram a impulsionar, assim, um mercado de luxo que tem se mostrado cada vez mais "acessível" — ao menos, para uma certa parcela da população.
Mayuli faz parte desse grupo que, que em vez de quebrar o cofrinho de R$ 10 milhões para comprar um jato particular, gasta dez vezes menos na aquisição de um monomotor com sistema de última geração. Um Cirrus zero quilômetro, de quatro lugares — aviãozinho-fetiche entre os modelos mais em conta —, sai, no máximo, por US$ 800 mil (R$ 1,5 milhão).
Nos últimos quatro anos, o número de aeronaves particulares saltou 32% no país. Passou de 6.472, em 2007, para 8.542, em 2011, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
— Cada vez mais profissionais liberais estão comprando o seu próprio avião para trabalhar ou se divertir. São pessoas de diferentes áreas que precisam estar em vários lugares e não têm tempo a perder — diz José Eduardo de Faria.
Faria é sócio da Air Trainning, empresa especializada em formar pilotos desses novos aviões que viraram febre entre os mais endinheirados.
Ex-ministro da Secretaria de Comunicação do governo Fernando Henrique Cardoso, Bob Vieira da Costa é dono de um Cirrus (que logo será substituído por outro, com capacidade para mais passageiros). Ele o compara a uma BMW, pela modernidade do maquinário.
— Quer coisa melhor do que fazer uma viagem sem precisar contar com os problemas dos aeroportos? — pergunta Bob, que enfrenta meia hora de estrada de São Paulo, onde mora, até chegar ao hangar em que a aeronave fica guardada.
Desde que decidiu tirar a licença de piloto — ele agora se prepara para o curso de voo por instrumento —, Bob aproveita os finais de semana para aumentar o banco de horas de voo. Ultimamente, costuma aterrissar na Bahia, onde tem uma casa de praia, para passar mais tempo com a família. Semanas atrás, fez, com a mulher, um passeio panorâmico sobre o Rio de Janeiro. Ela o acompanha, no ar, desde seus primeiros passos.
Assim como ele, o obstetra Júlio Bernardi não resistiu à ideia de pilotar seu próprio avião. A ideia surgiu durante um encontro de motoqueiros do qual faz parte. Lá, descobriu que, como ele, havia outras pessoas interessadas em ter um avião para uso pessoal. Depois de muita pesquisa, comprou um Cirrus modelo 2010, que divide com outro médico.
Nos finais de semana, Júlio se dá ao luxo de conhecer restaurantes país afora. Beirando os cem quilos, glutão inveterado, ele lembra que já fez bate e volta ao bairro de Santa Felicidade, em Curitiba. Também visitou restaurantes de alta gastronomia em Minas Gerais, no Rio e na Bahia — sempre de avião e, na maioria das vezes, estando de volta em casa, de noite.
A bordo de uma motocicleta Gold Wing, daquelas que custam mais de R$ 100 mil — e com a qual já percorreu a famosa Rota 66, nos Estados Unidos —, o médico chegou animado para a entrevista. Estacionou a moto em frente ao portão, seguiu até o hangar, fez a checagem básica nas peças do avião e partiu para mais uma experiência gourmet. A Revista O GLOBO acompanhou a viagem de 40 minutos até Ubatuba, para almoço num restaurante de comida contemporânea. (O médico escolheu um linguado).
— Lembro que quando eu tinha 15 anos, meu irmão mais velho ganhou num sorteio a chance de voar, mas não quis ir. Eu fui no lugar dele e, desde então, me apaixonei por aviões — contou Júlio, que está feliz por passar mais horas no ar do que preso no trânsito de São Paulo, onde mora. — Tenho evitado andar de carro, prefiro ir a pé para o trabalho. Mas é só chegar perto do final de semana que eu escolho um bom passeio com o avião.
A demanda por pequenos aviões tem feito crescer a procura por cursos de pilotagem. De acordo com um levantamento da Anac, em 2011, 1.926 pessoas tiraram licença de piloto privado. É mais do que o dobro do que ocorria cinco anos antes.
— Nós já dobramos o número de alunos por turma — diz José Eduardo de Faria, da Air Trainning, onde atualmente estão matriculadas 25 pessoas, entre elas Mayuli.
Divorciada, a empresária lembra que, antes de decidir virar piloto e ter seu próprio avião, comunicou a ideia à mãe, que respondeu de forma lacônica, com um simplório "o.k., tudo bem". Destemida, ela diz que não tem medo algum de voar — e nem de pilotar o próprio avião:
— É muito mais perigoso enfrentar as estradas brasileiras. Hoje mesmo tenho que sair correndo para pegar um avião e voar para Palmas. Muitas vezes, ainda tenho que dirigir quatro horas até uma cidade no interior de Tocantins. Mas é assim que tem que ser. O mundo hoje não permite perda de tempo.


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