quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Antologia compila estilo enfático do crítico de cinema Inácio Araujo

SILVANA ARANTES
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
Era um texto de despedida. Em 99 linhas, o crítico de cinema da Folha Inácio Araujo aquilatava a obra do diretor Samuel Fuller, que morrera aos 85 anos.

"Há o cineasta que se admira e há o cineasta que se ama", afirmava, para desembocar na conclusão: "Amar Fuller e compreender o cinema é quase a mesma coisa".

Esse adeus em forma de artigo fez de Juliano Tosi, então estudante de jornalismo, um "leitor assíduo" do crítico.

A familiaridade com a produção de Araujo o credenciou a selecionar, entre mais de 5.000 textos publicados pelo crítico de 1983 a 2007, os 286 que integram a antologia "Cinema de Boca em Boca".

"Morte de Fuller é como Perder o Pai", publicado originalmente em 3/11/97, ocupa a página 381. São 678.

"Embora seja a mais óbvia, a ordem cronológica [de edição dos textos] é a mais interessante porque permite notar a linha evolutiva da escrita para jornal", diz Tosi, organizador do volume.

Não é bem como evolução que Araujo classifica as transformações na relação entre o jornal e seus leitores.

"Antes, havia um leitor. Hoje, há um consumidor que se recusa a fazer esforço [de compreensão]. É como se a ignorância fosse uma virtude. Percebo nesse fenômeno uma queda da civilidade."

Se há uma marca no estilo de Araujo, é a ênfase. Enfático na defesa dos filmes que ama como no desapreço pelos que rejeita, ele acumula sentenças ressoantes.

Exemplos: "A pornochanchada é o divã do pobre. Não há mal nisso. Os letrados é que são pudicos"; "'Vertigo' é seguramente o maior filme já feito sobre o cinema".

Em crítica que se converteu em polêmica com a produtora Conspiração Filmes, asseverou: "A supervalorização do cinema publicitário no Brasil deveria ser tema de um estudo antropológico, antes de cinematográfico. (...) A pergunta que o espectador de cinema pode legitimamente se fazer ao longo de 'Gêmeas' é: afinal, este filme está anunciando o quê?".

Alessandro Shinoda/Folhapress

PAIXÃO

Embora dispostos em ordem cronológica, os textos conformam núcleos temáticos na opinião do organizador. Estão lá, em capítulos informais, "a paixão por Howard Hawks, por Hitchcock, pelo cinema japonês e pela nouvelle vague", avalia Tosi.

A autocrítica, ou a relação de Araujo com o ofício, também poderia fazer parte da lista. Assunto recorrente em suas reflexões, motivou-o a um debate, nas páginas da Folha, com o colunista Marcelo Coelho, rebatendo um artigo deste, em 1992, com "O que Sair por Último, Por Favor Apague a Luz".

Cinco anos mais tarde, em entrevista ao ombudsman Mario Vitor Santos, Araujo define seu papel citando o crítico de artes Rodrigo Naves: "Um crítico só se afirma pelo que defende, nunca pelo que nega".

O cinema que Araujo afirma é como o de Fuller, cujos filmes "sem heróis, agônicos, têm beleza e poesia que irrompem na tela, levados pela força, consistência e originalidade de seu olhar". Alguém, enfim, que se aprende a amar, mais que admirar.

INÁCIO ARAUJO - CINEMA DE BOCA EM BOCA
ORGANIZAÇÃO Juliano Tosi
EDITORA Imprensa Oficial
QUANTO R$ 7,50 (678 págs.); disponível para download na internet

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