quarta-feira, 20 de junho de 2012

Após superar leucemia, atriz Drica Moraes apresenta peça em Porto Alegre

"A Primeira Vista" entra em cartaz no próximo fim de semana no Theatro São Pedro

Após superar leucemia, atriz Drica Moraes apresenta peça em Porto Alegre 0/leo aversa


Larissa Roso
Drica Moraes encara seu papel em A Primeira Vista como sua reencarnação. É o retorno, inteiro, depois de pequenos papéis na televisão. Desde o ano passado, foram breves participações na novela Ti Ti Ti, na minissérie Dercy de Verdade e no seriado A Grande Família. O convite para encenar a peça que passa pelo Theatro São Pedro no próximo final de semana veio enquanto a atriz carioca ainda estava no hospital, enfrentando o tratamento contra uma leucemia, em 2010.


O diretor Enrique Diaz, seu primeiro namorado, passou-lhe para avaliação o texto do canadense Daniel MacIvor, a ser encenado ao lado de Mariana Lima. Drica, que em julho completa 43 anos, pouco compreendeu do enredo, mas aceitou prontamente.


- Eu estava sob efeito de drogas, com muita quimioterapia na cabeça, e não entendia. Só entendia que queria estar com aquelas pessoas. De olho fechado, quase medicamentosamente, garanti que aquilo seria bom para mim (risos). Faria bem para a minha saúde estar com eles - conta, por telefone, de sua casa no Rio.


Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.


Donna - A Primeira Vista é um trabalho histórico na sua carreira, marcando o retorno após o transplante de medula óssea e a recuperação. Fale um pouco do seu papel.
Drica Moraes - A peça trata de amor, amizade, juventude, libido. Essa libido que faz a gente atravessar a vida e escolher a profissão, os amores, experimentar muitas coisas diferentes. São duas amigas, duas estranhas, na verdade, que se conhecem por acaso e vão travar uma longa jornada juntas. Elas têm entre 19 e 29 anos. É um recorte na vida delas dentro desse período de tempo. São mulheres de personalidades e temperamentos opostos, o que ajuda a contar a história. A peça fala de aceitação do diferente, do estranho como parte nossa, da necessidade do amor e da troca, de como o homem é híbrido quando ama e se mistura - ele se transforma através do outro. Tem muitos temas que me agradam e têm a ver com a minha história toda, com as últimas coisas que me aconteceram na vida.


Donna - Onde você vê semelhanças?
Drica - Na minha vida, precisei do outro, do desconhecido, do diferente de mim, de maneira vital. Sou mãe de uma criança adotiva e precisei do desconhecido que gerou meu filho e me deu esse presente. Precisei do desconhecido que foi meu doador da medula. Hoje tem uma luta interna minha para a gente chegar a um acordo biológico, esse acordo com o que vem do outro. Estou ótima, superbem, chegando ao segundo ano do transplante, com muito sucesso. Mas tudo é uma adaptação, muda tudo internamente.


Donna - Viver uma situação de intenso sofrimento e angústia certamente altera sua perspectiva sobre diversas coisas. Como sua vida mudou após essa experiência?
Drica - Tendo a simplificar muito, tudo, e a não pegar a neurose e a angústia dos outros para mim. Tenho todas as minhas angústias humanas, as minhas dúvidas, mas acho que o meu olhar simplificou. Isso é muito bom.


Donna - Tudo parecia mais sombrio naquele período ou, pelo contrário, você se amparava em bons pensamentos e em previsões otimistas para seguir adiante?
Drica - A gente é feito de tudo: esperança, medo, tristeza, sensação de fracasso e de sucesso, tudo junto. O que imperava não era uma depressão. Nem podia tomar antidepressivo. Tomei remédio para dormir em uma época muito barra, enquanto ainda estava procurando doador. É muito difícil passar por tudo. Todos os dias, você tem altos e baixos, é um calvário. Mas chega uma hora em que você escolhe onde vai aquietar a sua alma: na esperança ou no medo.


Donna - Um dos efeitos mais dramáticos para as pacientes mulheres é a perda do cabelo, e a aparência está intimamente ligada ao seu trabalho. Foi muito difícil?
Drica - Ficar careca nem foi ruim. Me achei bonita, isso não era o problema. O problema é quando o cabelo começa a crescer - feio, em tufos, com buracos no meio. É muito difícil se sentir bem. Vai melhorando ao longo dos anos. Mas a careca, em si, achei maravilhosa.


Donna - Você descobriu o câncer pouco depois de adotar seu filho, Mateus (hoje com três anos). Também se separou naquele período. Como foi conciliar a maternidade, a separação e o tratamento?
Drica - Minha filha, foi uma porrada atrás da outra. Nessas horas, ou você luta, ou você luta. Contei com muito apoio da minha família, e estava começando a namorar de novo (o médico homeopata Fernando Pitanga, 55 anos, com quem está até hoje). Tive muita sorte de encontrar um doador rápido. Podia ter esperado mais e talvez não ter suportado. Tive médicos excelentes, um plano de saúde que me ajudou bastante. Deus foi rápido comigo.


Donna - Seu filho era bebê na época.
Drica - Tinha um ano. Fiquei quatro meses internada e depois muito tempo em casa, mas com muita limitação, como a máscara. Ele é uma luz, um menino precoce, tem uma capacidade de compreensão fora da curva, é lindo, muito amoroso.


Donna - Você disse que não esconderia dele a história da adoção. O assunto já é abordado?
Drica - Sim. Desde que ele tinha um ano e começou a perguntar sobre o pai. Essa questão precisa ser falada sempre, claro que da maneira das crianças, no mundo da fantasia, minimizando o lado difícil e negro e ressaltando o lado solar e luminoso. Ele já está me pedindo para adotar um irmãozinho.


Donna - E você pensa no segundo filho?
Drica - Penso, penso, mas tenho que ganhar coragem. É muito lindo, mas é muito trabalho, muita responsabilidade. Vamos ver.


Donna - Como ficou o namoro naquela época?
Drica - Ele foi muito parceiro, paciente, ficou muito perto e deu muito apoio para mim e para o meu filho, para a minha família. Ele é um sujeito muito calmo. Foi importante estar perto dele.


Donna - Em uma entrevista ao Fantástico, logo depois do transplante, você falou algo muito impactante: "A vida melhora muito se você não morre". De que maneira?
Drica - Muitas vezes, a gente não consegue mudar padrões de comportamento se não for de uma forma violenta. A doença foi isso para mim. Muitas vezes, você está com relações que não existem mais, uma série de mágoas, coisas que precisa amadurecer e passar adiante e não consegue. Se você morre, acabou tudo. Se você consegue ficar aqui, pode ser muito proveitoso, você pode ter uma vida muito melhor do que antes. Isso para mim é real, límpido, claro.


Donna - Sua vida está melhor agora?
Drica - Com certeza.


Donna - Como você se vê hoje?
Drica - Ai, minha filha, como é que eu vou falar isso? Estou aí... Um dia de cada vez. Continuo com esse meu lema. Sem grandes planos, vivendo a vida, o máximo possível, no presente.


ZERO HORA

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