"A Primeira Vista" entra em cartaz no próximo fim de semana no Theatro São Pedro
Larissa Roso
Drica Moraes encara seu papel em A Primeira Vista como sua reencarnação. É o retorno, inteiro, depois de pequenos papéis na televisão. Desde o ano passado, foram breves participações na novela Ti Ti Ti, na minissérie Dercy de Verdade e no seriado A Grande Família. O convite para encenar a peça que passa pelo Theatro São Pedro no próximo final de semana veio enquanto a atriz carioca ainda estava no hospital, enfrentando o tratamento contra uma leucemia, em 2010.
O diretor Enrique Diaz, seu primeiro namorado, passou-lhe para avaliação o texto do canadense Daniel MacIvor, a ser encenado ao lado de Mariana Lima. Drica, que em julho completa 43 anos, pouco compreendeu do enredo, mas aceitou prontamente.
- Eu estava sob efeito de drogas, com muita quimioterapia na cabeça, e não entendia. Só entendia que queria estar com aquelas pessoas. De olho fechado, quase medicamentosamente, garanti que aquilo seria bom para mim (risos). Faria bem para a minha saúde estar com eles - conta, por telefone, de sua casa no Rio.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Donna - A Primeira Vista é um trabalho histórico na sua carreira, marcando o retorno após o transplante de medula óssea e a recuperação. Fale um pouco do seu papel.
Drica Moraes - A peça trata de amor, amizade, juventude, libido. Essa libido que faz a gente atravessar a vida e escolher a profissão, os amores, experimentar muitas coisas diferentes. São duas amigas, duas estranhas, na verdade, que se conhecem por acaso e vão travar uma longa jornada juntas. Elas têm entre 19 e 29 anos. É um recorte na vida delas dentro desse período de tempo. São mulheres de personalidades e temperamentos opostos, o que ajuda a contar a história. A peça fala de aceitação do diferente, do estranho como parte nossa, da necessidade do amor e da troca, de como o homem é híbrido quando ama e se mistura - ele se transforma através do outro. Tem muitos temas que me agradam e têm a ver com a minha história toda, com as últimas coisas que me aconteceram na vida.
Donna - Onde você vê semelhanças?
Drica - Na minha vida, precisei do outro, do desconhecido, do diferente de mim, de maneira vital. Sou mãe de uma criança adotiva e precisei do desconhecido que gerou meu filho e me deu esse presente. Precisei do desconhecido que foi meu doador da medula. Hoje tem uma luta interna minha para a gente chegar a um acordo biológico, esse acordo com o que vem do outro. Estou ótima, superbem, chegando ao segundo ano do transplante, com muito sucesso. Mas tudo é uma adaptação, muda tudo internamente.
Donna - Viver uma situação de intenso sofrimento e angústia certamente altera sua perspectiva sobre diversas coisas. Como sua vida mudou após essa experiência?
Drica - Tendo a simplificar muito, tudo, e a não pegar a neurose e a angústia dos outros para mim. Tenho todas as minhas angústias humanas, as minhas dúvidas, mas acho que o meu olhar simplificou. Isso é muito bom.
Donna - Tudo parecia mais sombrio naquele período ou, pelo contrário, você se amparava em bons pensamentos e em previsões otimistas para seguir adiante?
Drica - A gente é feito de tudo: esperança, medo, tristeza, sensação de fracasso e de sucesso, tudo junto. O que imperava não era uma depressão. Nem podia tomar antidepressivo. Tomei remédio para dormir em uma época muito barra, enquanto ainda estava procurando doador. É muito difícil passar por tudo. Todos os dias, você tem altos e baixos, é um calvário. Mas chega uma hora em que você escolhe onde vai aquietar a sua alma: na esperança ou no medo.
Donna - Um dos efeitos mais dramáticos para as pacientes mulheres é a perda do cabelo, e a aparência está intimamente ligada ao seu trabalho. Foi muito difícil?
Drica - Ficar careca nem foi ruim. Me achei bonita, isso não era o problema. O problema é quando o cabelo começa a crescer - feio, em tufos, com buracos no meio. É muito difícil se sentir bem. Vai melhorando ao longo dos anos. Mas a careca, em si, achei maravilhosa.
Donna - Você descobriu o câncer pouco depois de adotar seu filho, Mateus (hoje com três anos). Também se separou naquele período. Como foi conciliar a maternidade, a separação e o tratamento?
Drica - Minha filha, foi uma porrada atrás da outra. Nessas horas, ou você luta, ou você luta. Contei com muito apoio da minha família, e estava começando a namorar de novo (o médico homeopata Fernando Pitanga, 55 anos, com quem está até hoje). Tive muita sorte de encontrar um doador rápido. Podia ter esperado mais e talvez não ter suportado. Tive médicos excelentes, um plano de saúde que me ajudou bastante. Deus foi rápido comigo.
Donna - Seu filho era bebê na época.
Drica - Tinha um ano. Fiquei quatro meses internada e depois muito tempo em casa, mas com muita limitação, como a máscara. Ele é uma luz, um menino precoce, tem uma capacidade de compreensão fora da curva, é lindo, muito amoroso.
Donna - Você disse que não esconderia dele a história da adoção. O assunto já é abordado?
Drica - Sim. Desde que ele tinha um ano e começou a perguntar sobre o pai. Essa questão precisa ser falada sempre, claro que da maneira das crianças, no mundo da fantasia, minimizando o lado difícil e negro e ressaltando o lado solar e luminoso. Ele já está me pedindo para adotar um irmãozinho.
Donna - E você pensa no segundo filho?
Drica - Penso, penso, mas tenho que ganhar coragem. É muito lindo, mas é muito trabalho, muita responsabilidade. Vamos ver.
Donna - Como ficou o namoro naquela época?
Drica - Ele foi muito parceiro, paciente, ficou muito perto e deu muito apoio para mim e para o meu filho, para a minha família. Ele é um sujeito muito calmo. Foi importante estar perto dele.
Donna - Em uma entrevista ao Fantástico, logo depois do transplante, você falou algo muito impactante: "A vida melhora muito se você não morre". De que maneira?
Drica - Muitas vezes, a gente não consegue mudar padrões de comportamento se não for de uma forma violenta. A doença foi isso para mim. Muitas vezes, você está com relações que não existem mais, uma série de mágoas, coisas que precisa amadurecer e passar adiante e não consegue. Se você morre, acabou tudo. Se você consegue ficar aqui, pode ser muito proveitoso, você pode ter uma vida muito melhor do que antes. Isso para mim é real, límpido, claro.
Donna - Sua vida está melhor agora?
Drica - Com certeza.
Donna - Como você se vê hoje?
Drica - Ai, minha filha, como é que eu vou falar isso? Estou aí... Um dia de cada vez. Continuo com esse meu lema. Sem grandes planos, vivendo a vida, o máximo possível, no presente.
ZERO HORA
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