Indígena awá em Orito, no departamento de Putumayo (Colômbia). |
No norte do Equador e no sul da Colômbia, cercados por uma imponente vegetação, vivem os awás, uma comunidade indígena de 70 mil habitantes que está à beira de um colapso por causa do interesse que sua rica floresta desperta.
"Nós vivemos semeando nossa horta para sobreviver, colhendo frutos e caçando animais", lembra Juvencio Nastajuaz, pai de 7 filhos e líder da comunidade de Pambilar, uma das 22 que formam a Federação de Centros Awás do Equador (FCAE).
Sobre este povoado simples espreitam inúmeros interesses, pois os rios da região escondem ouro e em suas densas florestas madeiras como o sande e o chanul. "Elas [mineradoras] querem comprar nossas terras, mas não aceitamos. Oferecem dinheiro, mas sabemos que se vendermos tudo será destruído", revelou Nastajuaz.
A prova está 200 metros abaixo de sua comunidade, seguindo o curso das águas turvas do rio contaminadas pelas explorações de mineradoras ilegais. Nessa região, os moradores de um povoado afroequatoriano que vive às margens do rio precisam beber água engarrafada.
Sem outra ferramenta a não ser o instinto de sobrevivência e o afã de defender a natureza que muitos consideram sagrada, os awás combatem as mineradoras, os males endêmicos, como as doenças da floresta, a enorme falta de recursos e ainda os desastres naturais.
O presidente da Câmara Mineradora do Equador, Santiago Yépez, admitiu que "nestes rios corre, desde combustível a mercúrio, arsênico e outros componentes químicos que servem para separar o ouro e outros minerais das rochas".
"Uma enorme fonte de corrupção"
Segundo Yépez, os métodos extrativos usados pelas mineradoras ilegais são os motivos da poluição. A chanceler da Colômbia, María Ángela Holguín, reconheceu que a mineração ilegal é "um grave problema" na fronteira entre a Colômbia e o Equador, e "uma enorme fonte de corrupção". Em seu país vivem 66 mil awás, enquanto no Equador outros 4 mil, em um território ancestral divido entre os dois países.
A exploração dos recursos, especialmente da madeira, é feita geralmente por meio de intermediários, encarregados de convencer os donos de terras para permitir a extração. "O intermediário convence os awás a venderem cinco árvores, por exemplo, e depois derrubam mais duas, que no momento de carregarem as cinco compradas aproveitam para roubar. Os compradores dizem aos indígenas que a madeira não é de boa qualidade e se aproveitam para atuar sem controle", relatou o dirigente awá Daniel Padre.
Além disso, eles usam das necessidades dos índios para conseguir acesso ao seu território, relatam os habitantes da região. “O processo é simples. Os intermediários dão dinheiro e os levavam de carro a partir de San Lorenzo (único centro urbano da região) e dessa forma os convenciam aos poucos.
Em alguns casos, pagam antecipado para que pudessem deixar a vila carregando comida, detalhou o professor Efrén Álvarez, da comunidade de Guadualito, na fronteira com a Colômbia. "Desta maneira, os intermediários pagam US$ 40 por uma árvore que, no mercado, podem negociar entre US$ 200 e US$ 300", apontou Padre.
Plantio de palmito
Esse dinheiro é somente para as necessidades mais imediatas. "Aqui não há nada, só uma escola. Quando alguém fica doente precisamos levar até San Lorenzo e a viagem custa US$ 50", contou Nastajuaz, quem reconheceu que, em certas ocasiões, se veem obrigados a vender "alguma madeira" para conseguir dinheiro.
A poda ilegal faz com que tão somente 6% do Chocó, uma área de alta biodiversidade, reste intocado no Equador e a floresta está sendo substituída pela palmicultura.
"Hoje não existem muitos animais para caçar, ainda é possível achar algum periquito ou tatu. Os animais desapareceram em parte por causa das plantações de palmitos. Já não temos quase floresta", denunciou Alirio Cantincuz, de 35 anos e habitante de Guadualito, uma comunidade que está cercada em 60% por áreas cultivadas com palmito.
"O palmito é um negócio redondo, um bem de consumo em massa. Mas o palmito exige mudança na paisagem, corte, queima e inclusive é preciso nivelar o terreno se o mesmo for irregular ou tiver colinas. Os habitantes da comunidade passam a ser basicamente trabalhadores, não os donos dos recursos", descreveu o biólogo da Universidade San Francisco de Quito Diego Cisneros.
Os moradores de Guadualito se queixam que os palmicultores contaminam as águas de seus rios quando aplicam defensivos nas plantações e lavam seus equipamentos na água.
Por causa disso, alguns dos 130 habitantes, que sobrevivem plantando cacau e mandioca e da extração de madeira, queixam-se de dores de estômago e manchas na pele que acreditam seja consequência da água contaminada do rio que os abasteceu a vida toda.
Doenças que se somam a outras típicas da selva, como a malária e a leishmaniose, causada por insetos que põem larvas na pele que atacam o sistema de defesa do organismo.
"Aqui as pessoas sofrem muito por falta de médicos, existem farmácias, mas estas não são bem equipadas", ressaltou Ludibia Ramírez, uma promotora de saúde colombiana que teve de fugir de seu país com os três filhos após os ataques paramilitares e atualmente trabalha como cozinheira em uma escola de Guadualito.
Sua história é um exemplo do grande poder exercido na região pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o narcotráfico no sul colombiano e sua influência no norte do Equador, o que também afeta os awás.
"Há um controle muito forte na Colômbia por parte das Farc, que condiciona o comportamento nas comunidades. Ninguém pode atuar sem seu consentimento", relatou o presidente da FCAE, Manuel Taicus, em referência as aldeias awás localizadas na Colômbia.
Coca, um negócio rentável
"Em Guadualito, há poucos anos muitos habitantes cruzavam a fronteira para cultivar coca, um negócio rentável até que as guerrilhas extorquiram os awás do Equador e estes abandonaram os campos", apontou Álvarez.
Os awás inclusive sofrem por culpa dos grandes projetos em prol do progresso, como a construção de uma hidrelétrica em um rio próximo a comunidade do Baboso, o que tem gerado graves desavenças entre os 230 habitantes.
"Os que foram trabalhar na hidrelétrica acabaram descuidando de suas terras. Isso acabou minando o sentimento de comunidade e a parte organizacional", advertiu Amilkar Guangua, professor e secretário do vilarejo de Baboso.
Além do conflito pela hidrelétrica, Baboso enfrenta a realocação de quase todo o povoado, devido a um deslizamento de terra que no ano passado engoliu uma casa. Apesar da destruição ninguém morreu.
No meio deste compêndio de ameaças, os awás tentam manter sua cultura de grande amor à natureza. "As plantas, a água, as pedras, que vulgarmente para Ocidente são seres inertes, para os awás têm vida. Esta relação com o homem e a natureza nos permitiu viver com honestidade e solidariedade", explicou Taicus.
É uma crença sustentada em práticas como a cura do chutún, um mal que se adquire "por beber água suja de pântanos" ou "comer frutas caídas das árvores", detalhou Taicus.
“A doença é curada com um banho durante três dias seguidos com uma mistura feita com mais de 30 plantas, que culmina com a lavagem feita pelo curandeiro. Tradições como esta correm o risco de desaparecer diante do desapego dos jovens pelas práticas ancestrais e a perda do awapit, a língua de um povo que está rodeado por cem Golias.
Fonte: notícias yahoo
Nenhum comentário:
Postar um comentário