AGRADECIMENTOS:
Nasci no exílio. Não tive a oportunidade de nascer no meu país em razão
do golpe civil militar de 1964, que expulsou minha família. Era outubro de 1976
quando meu avô João Goulart foi ao meu encontro na distante capital da
Inglaterra para me conhecer, naquele que seria o primeiro e último de nossos
encontros, pois apenas 2 meses depois meu avô faleceu, aos 57 anos de idade, também
no exílio. Desde aquele encontro até hoje, 35 anos se passaram. 35 anos de uma
morte e ao mesmo tempo 35 anos de uma vida.
Minha família sempre foi perseguida, mesmo no exílio. Meu avô foi
perseguido até a morte. Não apenas perseguido no Brasil, mas também perseguido
durante o período de Ditadura Uruguaia e depois durante a Ditadura na
Argentina. Ele que desde 1975 residia na Argentina, pois fora “convidado” a se
retirar do Uruguai, sofria ameaças constantes. Muitos de seus amigos e
companheiros de ideologia estavam sendo assassinados na Argentina naquele ano
de 1976. Era a operação Condor mostrando suas garras assassinas em toda a
América Latina. Eis a razão de eu ter nascido no exílio. Tendo sido descoberta
uma tentativa de sequestro que tinha como alvo o meu pai na Argentina,
inclusive noticiado em jornais daquele país, meu avô, como forma de proteção, enviou
meu pai e minha mãe para um país considerado seguro.
Exílio. Sinônimo de perseguição. De tristeza. De solidão. De alteração de
uma ordem natural. De desestabilização de equilíbrio emocional que atinge a
toda a família. No caso de meu avô, que restou condenado a jamais voltar ao
Brasil, o seu, O MEU PAÍS, quis o destino que o exílio ainda fosse mais
marcante, pois meu avô só retornou para sua cidade natal de São Borja sem vida.
Eu mesmo testemunhei esse acontecimento, com dois meses de vida, passando de colo
em colo, assimilando inconscientemente uma tragédia. Dor da perda de um chefe
de família. Sofrimento da perda de um chefe de nação tão amado como foi meu
avô.
A tudo testemunhei. Juntamente com meus pais, João Vicente Fontella
Goulart, naquele então com 19 anos, e minha mãe, Uruguaia, Zulma Estela Katz,
com 18 anos. Duas crianças desesperadas, com outra criança no colo. Meu pai
naquele momento perdia sua referência, seu chão, seu porto seguro, tendo que
encarar, agora sozinho, os desafios da vida.
Aliás, interessantes desafios para um jovem filho de um Presidente com as
características de Jango. Hoje, mesmo tendo adquirido discernimento político e
compreensão familiar, ainda me é difícil imaginar a pesada carga que caiu nos
ombros de meu pai, com apenas 19 anos. Decididamente, seu mundo mudou profundamente
a partir daquele momento.
Mas não foi apenas o mundo de meu pai que mudou. A partir daquele
momento, mudou o meu mundo também. Quero dizer aqui que a dor irreparável de
meu pai, de minha família, mesmo que indiretamente, transmitiu-se por óbvio
para as gerações que o sucederam. Irreparável abalo emocional, que abate a
estabilidade das famílias. Não apenas a minha, mas todas as famílias de
perseguidos políticos.
Até onde persistem os malefícios e
prejuízos dentro de uma família, ocasionados pelo Estado Ditatorial pós 64?
Esta é uma reflexão que quero formular aqui.
Apesar de tudo não me abalei. Sempre entendi que meu papel seria o de
levante, e não de retirada. De militância, de ativismo e representação, e não
de lamúrias. Se fiz este breve relato de transtornos, é para transmitir um
sentimento fundamental para a compreensão do que representa esta Anistia para
mim. Podem acreditar, não é um privilégio nascer na Europa nessas
circunstâncias. Sempre me considerei um brasileiro, e é neste país que pretendo
levar adiante um pouco desta história, que também é a história do Brasil.
Transformar o sofrimento em força. Entender que todos nós temos nossas
histórias, passado presente e futuro, todos passamos por adversidades, e não há
tempo para lamentações. De minha parte, seguirei com convicção inabalável o
exemplo de meu avô. Exemplo social, político, econômico. Sinto-me confortado
com a Anistia. Com o Estado reconhecendo o prejuízo que causou, formalizando um
pedido de perdão. Se o país não me proporcionou a possibilidade de nascer aqui,
agora meu país reconhece que errou. Aceito o reconhecimento. E eu só tenho a
agradecer ao meu país. MUITO OBRIGADO!
Christopher Goulart
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